quinta-feira, 11 de março de 2010

O produtor cultural do século 21

Por Blog Acesso

Há cerca de dez anos, cultura no Brasil se escrevia com inicial minúscula, quase como sinônimo de manifestação folclórica. Estava presente nos planos de governo mas, na maior parte das vezes, como uma pasta obrigatória com a qual não se sabia o que fazer. Ainda não chegamos ao ponto ideal em que a cultura ganha o mesmo status da economia e da comunicação. No entanto, o Brasil deu um grande salto no momento em que passou a tratar a cultura como um ativo que pode, e deve, contribuir para o desenvolvimento socioeconômico nacional.

Pode-se dizer que os ventos de mudança começam a soprar – como uma brisa, é bem verdade – com a implantação da Lei Rouanet, em 1995. Se antes um produtor cultural era tratado, de modo pejorativo, como um “faz tudo” da cultura ou, pior, como um desocupado, a partir da Lei ele passa a ter sua existência reconhecida, como um profissional necessário para estabelecer elos entre público e arte. Com a Lei, aumenta a demanda pelos serviços desse profissional e, com a demanda, os primeiros sinais de fragilidade de sua formação. Surge, então, oficializando e legitimando a profissão no Brasil, os primeiros cursos de graduação: o primeiro, em 1995, na Federal Fluminense (UFF-RJ); e o segundo, em 1996, na Federal da Bahia (UFBA). Esses cursos representaram a sistematização dos conhecimentos inerentes ao setor.

Hoje, passados 15 anos da inauguração do primeiro curso de graduação na área e, 9 anos, de seu reconhecimento pelo MEC, o setor mescla profissionais graduados e empíricos, de gerações diferentes, que passam a conviver em meio aos novos desafios.

Há 20 anos atuando como produtora cultural, Luiza Pires, sócia da Liga, empresa de consultoria e gestão cultural, tem um currículo invejável. Entre outros cargos, a Bacharel em História pela UFRGS foi sócia da Cult Assessoria e Projetos Culturais (1998); coordenadora administrativa da Casa de Cultura Mário Quintana (1999/2001); assessora especial da Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul; coordenadora Administrativa do Santander Cultural (2001/2002); e coordenadora Administrativa do Projeto: III Fórum Social Mundial/Cultural (2003). Mas o currículo não mostra os percalços que Luiza encontrou pelo caminho. “Quando comecei a trabalhar, a profissão não era reconhecida e o produtor era bastante depreciado. Mas há cerca de sete anos, o cenário mudou muito. Acho que a formação universitária instrumentaliza os profissionais e impede um contingente de despreparados. O próprio mercado passou a ter condições de peneirar os mais capacitados”, diz Pires.

A produtora também detecta mudanças no dia-a-dia da profissão. Ela relembra que, em uma época em que a captação de recursos se dava, prioritariamente, pelas redes de relacionamentos e pelo conhecimento privilegiado, a lei de incentivo federal era pouco utilizada no Rio Grande do Sul, enquanto as leis estaduais abundavam. “Há cerca de 8 anos que a lei estadual não é usada e o Sul é totalmente dependente da lei federal. Ainda mais porque enquanto o número de editais promovidos pelo MinC aumenta, o de editais privados escasseia. O lado ruim desta história é que os produtores culturais acabam cumprindo o papel de produtores e de captadores”, explica a produtora.

Foi justamente esse cenário que levou o administrador e produtor gaúcho Alê Barreto, conhecido na rede como produtor independente, a se mudar para o Rio de Janeiro, em 2007. Ele queria experimentar as diversas possibilidades da profissão ao invés de ficar restrito à estruturação de projetos para captação em leis de incentivo. “Trabalhar apenas com a Lei Rouanet gera um contexto muito frágil em termos de sustentabilidade. Além do que, as leis de incentivo dão a falsa sensação de que o produtor cultural é aquele que formata projetos, quando ele é o responsável por criar pontes, estabelecer diálogos entre a criação artística e o público. Produtor cultural não é um mero formatador de projeto, mas também não é faz tudo”, afirma Barreto. O produtor gaúcho, que atua na área desde os 29 anos, diz que começou junto com o Governo Lula, em 2003, e que viu a profissão crescer junto com as ações do Ministério da Cultura. “A cultura que estava sempre entre os últimos orçamentos da União, com a atual gestão ganhou uma projeção tão interessante quanto a de outros ministérios. O olhar mudou e entraram na pauta dos debates temas como desenvolvimento, economia e tecnologia. Podemos contar até com séries históricas de pesquisas importantes, como as do IPEA, do IBGE e da Casa de Rui Barbosa”, opina o produtor. Para ele,a questão da formação universitária também tem contribuído para a profissionalização da área. No entanto, alerta para a necessidade de diversificação do olhar e das experiências. “Os cursos de produção cultural estão atrelados às ciências da comunicação, o que cria um contexto único, quando existem outros caminhos para a leitura da cultura, que vão da antropologia à economia”.

Para dar vazão às suas ideias e estabelecer um diálogo com outros produtores, Alê criou em seu blog a Rede de Notícias Culturais Sustentáveis. “Falta entrosamento entre os produtores culturais que enxergam uns aos outros como concorrentes. Com essa iniciativa quero estimular a cooperação e a troca de experiências. O mecanismo é simples mas, se der certo, poderá ser uma fonte de informação útil a todos os elos da cadeia”, explica. Para ele, entre os desafios que o produtor do século 21 tem a enfrentar está a necessidade de conexão, seja com seus pares ou com profissionais de outras áreas. “Acho que o grande desafio para o produtor cultural, hoje, seria pensar a sua profissão mais conectada com aquelas que a tangenciam. O que significa transitar entre jornalistas, profissionais de informação, economistas. Enfim, perceber que o trabalho é amplo e que ele pode atuar em várias frentes”, conclui Barreto.

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