quinta-feira, 11 de março de 2010

Cultura não é setor

Foto: Tiago Gualberto
Leonardo Brant

A primeira carta de compromissos de Lula para a cultura, “A imaginação a serviço do Brasil”, dava conta da amplitude e da complexidade da cultura e sua importância estratégica para o país. O material do segundo mandato fazia uma abordagem setorial, corporificada tanto pela metodologia da II Conferência Nacional de Cultura, organizada em pré-conferencias setoriais, quanto pela própria constituição de fundos do Procultura, PL que revoga a Lei Rouanet.

O tratamento da política cultural como um apanhado de soluções para demandas de setores econômicos organizados é um retrocesso político. Primeiro porque contradiz o princípio de que política cultural é para o povo e não para as classes organizadas em torno dos fazeres culturais. A criação, pelo PL do Procultura, de um setor da diversidade cultural, por exemplo, que até fundo setorial especifico pretende-se criar, constitui-se numa aberração conceitual.

A configuração pretendida para a nova CNIC, também no PL do Procultura, além do próprio Conselho Nacional de Políticas Culturais, segue a lógica da setorialização da cultura, o que representa uma certa predominância do olhar econômico sobre os processos políticos. E de um tratamento por nichos de demandas. E o Estado como monopolizador dos sistemas de irrigação desses setores, não apenas como regulador ou mediador.

Concordo com a valorização da cultura por sua dimensão econômica. Capaz de gerar postos de trabalho, renda, economia solidária, o setor cultural é uma realidade que poderia ser reforçada com ações positivas do Estado, cedendo crédito, impulsionando a empregabilidade e a formalização do setor, além do investimento no empreendedorismo. Mas numa abordagem tática, não estratégica. Corremos o risco de reduzir cultura a um emaranhado cada vez mais complexo de sindicatos organizados em torno de suas demandas específicas.

Do ponto de vista político essa abordagem pode ser facilitada pela representação de seus membros e pela interlocução mediada por instâncias democráticas. O Estado forte que pretende-se forjar a partir dessa sistematização funcionaria como um balcão de atendimento a essas forças organizadas e representadas. Tudo isso pode parecer positivo para o fortalecimento desses setores, mas não é.

Eles somente serão impulsionados quando toda a sociedade participar do processo de construção de políticas culturais. Quando cidadania cultural deixar de ser um espasmo ideológico e tornar-se processo contínuo, afetando de maneira profunda os modos de vida do brasileiro. Jamais teremos uma política cultural estruturante, abrangente e que faça diferença na vida das pessoas, no processo de formação, auxiliando-nos no desafio do desenvolvimento sustentável, sem esse pleno exercício.

Por isso, cultura precisa deixar de ser campo de batalha corporativista, para ser um campo de conquista e consolidação da cidadania.

Sobre "Leonardo Brant " http://www.brant.com.br

Pesquisador de políticas culturais. Autor do livro "O Poder da Cultura" e diretor do webdocumentário Ctrl-V::VideoControl.

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