sexta-feira, 17 de junho de 2011

Festas Juninas pelo Mundo

A tradição dessa data nas diferentes culturas

Apesar de toda a brasilidade das festas juninas, as roupas caipiras e o quentão perfeitamente adequado ao inverno, saiba que a origem da comemoração não é daqui e data de um tempo bem mais distante. A nossa conhecida homenagem a São João é na verdade, uma festa pagã do solstício de verão. Somente na Idade Média a festa foi incorporada ao cristianismo e passou a ser associada ao santo. Até hoje as festas juninas são muito importantes na Europa.

Herdamos quase todas as tradições da nossa festa dos lusitanos, que posteriormente foram acrescidas de um toque de cultura nacional. Para os portugueses festa junina boa tem que ter arraiais com fogos de artifício, deliciosas sardinhas assadas, música pelas ruas convidando todos a saírem de suas casas e participarem da comemoração e claro...as batidas com martelinhos de plástico ou alho-poró nas cabeças das crianças e rapazes que querem se meter com as mocinhas solteiras. Aproveitando a animação de ter a cidade inteira reunida, a decoração, os comes e bebes, em Lisboa é muito comum a realização de casamentos múltiplos no dia de Santo Antônio. Geralmente 200 a 300 casais "econômicos" costumam se aproveitar da data todos os anos e afirmar os votos com a benção do santo. Além do Brasil, outras comunidades em países que serviram como colônias portuguesas como as de Macau, Índia, Malásia, e muitas outras na África e na Ásia, a tradição dos santos populares é bem forte e as festas muito bem comemoradas. Apesar dos santos mais populares que são celebrados na festa serem São João, Santo Antônio e São Pedro, uma infinidades de outros santos também é homenageado (dependendo do que se está desejando) e as festas são geralmente chamadas de Festas dos Santos Populares ao invés de Festas Juninas. Em algumas cidades as festas se assemelham até ao carnaval de Salvador com pessoas nas ruas pulando e festejando por vários dias seguidos. Quem já foi em junho para a cidade do Porto sabe do que estamos falando!

Com muitas características pagãs ainda, a Fête de Saint-Jean, também é comemorada no dia 24 de junho. O mais impressionante é a enorme chavande, fogueira para homenagear o santo. Ao invés de paçoca e canjica, na França queijo e vinho dominam... na verdade, qualquer festa. Uma experiência muito interessante para conhecer a quadrilha original, já que a dança quadrille veio de lá.

Se no Brasil a figura principal da festa junina é o matuto, o caipira com suas calças remendadas, buracos no lugar de dente, chapéu de palha e monocelha, na Noc ?wi?toja?ska (Noite de São João) polonesa a figura que domina são os piratas, as ulas e os lobos do mar! A festa que começa geralmente as 8 horas da manhã do dia 23 de junho costuma varar a noite e pessoas fantasiadas de tudo, não apenas de velhos lobos do mar, se espalham pelas ruas de Varsóvia e Cracóvia, onde a comemoração faz parte do calendário oficial das cidades. Se tivéssemos que fazer um flyer da festa seria algo como "loucuras de uma noite de verão", já que estão celebrando o solstício, o dia mais longo do ano, é comum celebrar a vida, a natureza, os instintos com inúmeras doses de vodka e mergulhos nos lagos públicos...a pirate life for me...

A maior de todas quando o assunto é duração, a Ivana Kupala (Sim, Ivan é João em russo) vai do dia 23 de junho ao dia 6 de julho e apesar de ser atualmente uma festa da Igreja Ortodoxa, suas características são pagãs por exelência: se celebra o fogo, a água, a fertilidade e deve se pensar em purificação (igualzinho a qualquer carnaval ou micareta por aqui certo?). Muitas mulheres jogam flores nos rios para ter sorte (e quem sabe uma noite boa). É de lá também que vem a tradição de pular a fogueira, coisa impossível de se fazer na França por exemplo.

Inesperadamente, a festa junina da Suécia, Midsommarafton, é uma das mais famosas do mundo e de longe, é a festa nacional mais importante, e pasmem mais comemorada do que o natal. Talvez a proximidade da casa do bom velhinho e das renas tenha deixado os suecos enjoados da festa de fim de ano. Seus costumes valem para os outros países da Escandinávia e com o mesmo caráter rural das nossas festas, as cidades grandes como Estocolmo ficam desertas já que quase todos vão para as suas casas no interior e vestem suas roupas típicas do dia 20 a 26 de julho. Comidas em grandes quantidades e da época como morangos e batatas dominam as mesas enormes nos centros das cidades. Flores decoram praças e casas. Umas das várias simpatias praticadas na época pelas mulheres é colocar buquês de 7 ou 9 flores diferentes para durante a noite, sonhar com seu futuro marido. Ao invés da fogueira, as pessoas se reúnem ao redor de um mastro, o majstången, para entoar cantos tradicionais.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Arte profissional e amadora

por Leonardo Brant
Na última quarta-feira (1/6) estive no auditório MIS para uma discussão promovida pela Folha de S.Paulo sobre financiamento à cultura. Junto comigo estavam Henilton Menezes, secretário de fomento do Ministério da Cultura, André Sturm, novo presidente do MIS, e o dramaturgo Leo Lama, mediados pela jornalista da Folha Ana Paula Sousa.
Diante de temas tradicionais e previsíveis, como Procultura, Vale-Cultura, infraestrutura, fomento e necessidade de investimento em pesquisa e formação, uma questão inusitada proposta por Leo Lama monopolizou as discussões da sala, trazendo revolta e discussões acaloradas no palco e na plateia.
O que é arte? Como fica a arte quando qualquer pessoa pode se inscrever nos editais, leis de incentivo e demais instrumentos de financiamento à cultura? “Devemos estabelecer critérios para distinguir os artistas profissionais dos amadores”, provocou o dramaturgo.
Para Lama, resta ao artista a submissão a um mercado dominado e corrompido por mediadores, intermediários e agentes alheios aos processos criativos, que consomem cada vez mais os recursos que deveriam estar nas mãos dos artistas.
Qual o limite do profissional e do amador na arte? Como fica a relação entre um bom artista que não consegue viver exclusivamente da arte e um mau artista que consegue pagar suas contas apenas com a atividade criativa, pergunto eu? O critério de distinção seria então, entre o bom e o mau artista? É possível estabelecer critérios claros de qualidade artística diante das novas possibilidades de criação das tecnologias de informação e comunicação? Quem dita esses critérios: o mercado, o Estado, a sociedade?
O mais curioso é que eu tinha acabado de sair de um seminário sobre Economia Criativa, promovido pela Vivo e Fundação Telefônica, onde participei de uma mesa sobre governança. Na parte da manhã, Clay Shirky, autor de “A cultura da participação”, propõe justamente uma reavaliação entre o criador amador e o profissional na relação com a mídia participativa.
A relação deste assunto com as novas forças e concepções que norteiam a política cultural brasileira merecem atenção. Saímos de uma era que considera possível avaliar a Relevância Cultural de um projeto, para um tempo de olhar para quem está criando. Que olhar deve ser este? Como ele pode ser traduzido em mecanismos de financiamento à cultura e à arte? Um bom debate. Leonardo Brant http://www.brant.com.br/ Pesquisador independente de políticas culturais, autor do livro "O Poder da Cultura". Diretor do documentário "Ctrl-V VideoControl, criou e edita o site Cultura e Mercado. É sócio-diretor da Brant Associados, consultoria para desenvolvimento de negócios culturais. Para mais artigos deste autor clique aqui

Lançamento do documentário ‘’Ser Quilombola’’

‘’Ser Quilombola’’
O evento ocorrerá em 7 de junho, às 10hs, no Saguão da Assembléia Legislativa da Bahia, localizada no CAB
O documentário Ser Quilombola discorre sobre os principais elementos que constituem a identidade quilombola a partir das comunidades de São Francisco do Paraguaçu e Porteiras, localizadas, respectivamente, nos municípios de Cachoeira e Entre Rios. Ao discorrer sobre os aspectos identitários, traz à tona o debate sobre os critérios da autodefinição e territorialidade do decreto 4.887/03 que está sob ameaça no Supremo Tribunal Federal.
Esse decreto foi criado pelo Governo Federal para regulamentar o processo de regularização fundiária e funciona como importante aliado no processo de efetivação de políticas públicas dessas comunidades. A produção audiovisual, dirigida pela jornalista Jaqueline Barreto, conta com a participação dos historiadores Ubiratan Castro e João José Reis, da socióloga e professora da Universidade Federal da Bahia, Lídia Cardel, da representante da Fundação Cultural Palmares, Luciana Mota, e do sociólogo Walter Altino.
As comunidades apresentadas pelo documentário possuem aspectos singulares: Porteiras possui um documento do Séc. XIX de doação da terra pelo ex-proprietário da Fazenda Porteiras aos escravos, mas, mesmo assim, após mais de 100 anos de tentativas, o território ainda não foi titulado e São Francisco do Paraguaçu ganhou repercussão internacional devido a uma reportagem exibida em 2007 pelo Jornal Nacional que, por sinal, resultou na paralisação de todos os processos da Fundação Cultural Palmares e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária(INCRA).
Segundo essa reportagem, a comunidade de São Francisco do Paraguaçu não se constituiria como uma comunidade quilombola. O documentário “SER QUILOMBOLA, ao abordar as nuances da identidade quilombola, surge também como um direito de resposta dessa comunidade às denúncias equivocadas da maior emissora do Brasil. Além disso, tem como finalidade contribuir com a elevação da auto-estima dos descendentes dos quilombos e, acima de tudo, como material didático a ser utilizado pelas diversas instituições de ensino. As comunidades de Porteiras e São Francisco do Paraguaçu participarão do lançamento e o público será contemplado com distribuição gratuita do documentário. O evento conta com o apoio da Comissão Especial da Promoção da Igualdade da Assembléia Legislativa, ONG Omi-DùDú, Instituto Mídia Étnica e CMA Hip Hop.
Quando: 7 de junho
Horário: às 10hs
Local: Saguão da Assembléia Legislativa da Bahia, CAB

domingo, 5 de junho de 2011

Qual a sua participação no Dia Mundial do Meio Ambiente?

Brasil: fonte inesgotável de água? Nem tanto

A primeira ação de conscientização ambiental, realizada há 39 anos, em Estocolmo, por iniciativa da ONU se tornou o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho). Essa data, antes de remeter à preservação da natureza, se refere principalmente à conscientização do uso racional dos nossos recursos naturais a fim de garantir a manutenção do nosso planeta. Hoje, é cada vez mais importante ter ciência de que atitudes sustentáveis visam preservar a própria existência humana, afinal, o mundo é a nossa casa.

Meio Ambiente no Brasil

O Brasil, apesar de ser uma potência ambiental, ainda tem muito à aprender, pois o cenário não é dos melhores: desmatamento, tragédias naturais geradas pelo crescimento desmedido em conjunto com a falta de planejamento público entre outros problemas sérios, refletem a falta de um real engajamento do país, mesmo diante de tantas mudanças climáticas sinalizando a importância de tais medidas. Por tudo isso, o Dia Mundial do Meio Ambiente se torna o momento ideal para multiplicar ações que possam contribuir para a mudança dessa realidade imediatamente. Se informar a respeito das políticas públicas sobre o meio ambiente, questionar as atividades que ajudam a piorar o quadro atual e adotar atitudes sustentáveis na rotina individual são posições que devemos ter perante a nossa sociedade. E essa educação começa em casa.

Embora sejamos um país rico em recursos naturais, os problemas que enfrentamos se deve a um mau planejamento e falta de educação quanto ao seu uso. A água é um deles. Embora tenhamos uma das maiores reservas de água potável no mundo, desperdiçamos cerca de 40% dela, destinada ao consumo humano. Portanto, o uso racional de água é uma das mudanças mais importantes a ser incorporada no cotidiano do brasileiro.

O uso consciente da água
“De acordo com a UNEP (Programa Ambiental das Nações Unidas da ONU), a quantidade ideal de consumo de água por habitante deve ser de 110 litros ao mês” - informa Paulo Costa, consultor da H2C, empresa especializada em programas de uso racional da água e membro do Green Building Council Brasil – “Se você gasta cerca de 200 litros, é necessário rever seus hábitos!”Mas como fazer para saber o quanto se gasta? Paulo ensina:“Na conta de água, você encontra a medida utilizada ao mês por metros cúbicos (m³)”. “Multiplique esse número por 1.000. Pegue o resultado, converta para litro e divida pelo número de habitantes na casa. Depois disso, divida por dias do mês, 30 em média. O resultado é a quantidade gasta ao mês.” – finaliza.
Além disso, é importante verificar se não há vazamentos em encanamentos e pontos de utilização, tais como pia, chuveiros ou descarga. “O ideal é averiguar se está tudo certo a cada seis meses” – orienta o especialista - Para isso, feche o hidrômetro (medidor de água), anote o número que está e volte depois de 2 horas. “Se o número foi alterado, é porque há vazamentos em algum ponto do local.”
Tecnologia verde
Hoje, já temos disponíveis vários sistemas que ajudam na economia de água, porém, como podem custar um pouco mais, algumas pessoas acabam por não se interessar. O fato é que a implantação de sistemas ecológicos e sustentáveis, seja em uma residência ou empresa, gera economia permanente e ainda, colabora com a preservação ambiental, mantendo nosso espaço um lugar melhor para se viver.
O ideal é que haja uma participação ativa do governo, proporcionando incentivos para a reutilização de recursos naturais e tecnologias sustentáveis na construção de casas, prédios, empresas e estruturas, além de outros tipos de iniciativas perenes, como campanhas e investimento em educação ambiental. Essa postura é imprescindível para que o país evolua nesse sentido. Países, como a Alemanha, por exemplo, já fizeram do sistema de uso da água da chuva obrigatoriedade. O aeroporto de Frankfurt usa 70% de água vindo desse tipo de abastecimento.

A polêmica do Novo Código Florestal
Atualmente, o país vive um momento polêmico quanto às políticas públicas ambientais. No final de maio, foi aprovado o Novo Código Florestal, uma iniciativa do deputado federal Aldo Rebelo (PC do B - SP) que propõe resoluções que geraram divergências entre ambientalistas e ruralistas. Segundo a WWF-Brasil, a proposta aprovada na Câmara dos Deputados em 24 de maio e agora em análise pelo Senado Federal incentiva o desmatamento em todo o país, dribla a necessária recuperação de áreas degradadas, anistia desmatadores ilegais, retira a proteção de manguezais, veredas e outras áreas protegidas, reduz a proteção de rios, córregos e outros cursos d’ água e reduz a necessidade de florestas em propriedades rurais na Amazônia. Também repassa aos estados e municípios o direito de autorizar desmates, não incorpora novos instrumentos de promoção à recuperação e conservação ambiental, prejudica metas nacionais de proteção da biodiversidade e de redução de emissões e, ainda, ameaça as exportações para mercados globalizados e cada vez mais exigentes de itens produzidos com sustentabilidade. Já os ruralistas defendem que é preciso pensar na sustentabilidade não só como questão ambiental, mas econômica e social, já que o emprego na agricultura é muito grande no país.
O caso é que esse tipo de decisão deve ter a participação de nós, cidadãos, afinal, diz respeito ao destino dos nossos recursos naturais e do nosso bem viver. Faz-se necessário pensar qual a sua participação no Dia Mundial do Meio Ambiente para colaborar com a criação de lugar seguro para você e sua futura geração. Para isso, informe-se melhor à respeito, adote atitudes sustentáveis no seu dia-a-dia e exponha sua opinião sobre essas políticas públicas. Faça a sua parte e mantenha o planeta vivo e verde!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Carta do Cacique Mutua a todos os povos da Terra

Carta do Cacique Mutua a todos os povos da Terra
"O Sol me acordou dançando no meu rosto. Pela manhã, atravessou a palha da oca e brincou com meus olhos sonolentos. O irmão Vento, mensageiro do Grande Espírito, soprou meu nome, fazendo tremer as folhas das plantas lá fora. Eu sou Mutua, cacique da aldeia dos Xavantes.
Na nossa língua, Xingu quer dizer água boa, água limpa. É o nome do nosso rio sagrado. Como guiso da serpente, o Vento anunciou perigo. Meu coração pesou como jaca madura, a garganta pediu saliva. Eu ouvi. O Grande Espírito da floresta estava bravo.
Xingu banha toda a floresta com a água da vida. Ele traz alegria e sorriso no rosto dos curumins da aldeia. Xingu traz alimento para nossa tribo.Mas hoje nosso povo está triste. Xingu recebeu sentença de morte. Os caciques dos homens brancos vão matar nosso rio. O lamento do Vento diz que logo vem uma tal de usina para nossa terra. O nome dela é Belo Monte.
No vilarejo de Altamira, vão construir a barragem. Vão tirar um monte de terra, mais do que fizeram lá longe, no canal do Panamá. Enquanto inundam a floresta de um lado, prendem a água de outro. Xingu vai correr mais devagar. A floresta vai secar em volta. Os animais vão morrer. Vai diminuir a desova dos peixes. E se sobrar vida, ficará triste como o índio.
Como uma grande serpente prateada, Xingu desliza pelo Pará e Mato Grosso, refrescando toda a floresta. Xingu vai longe desembocar no Rio Amazonas e alimentar outros povos distantes. Se o rio morre, a gente também morre, os animais, a floresta, a roça, o peixe, tudo morre. Aprendi isso com meu pai, o grande cacique Aritana, que me ensinou como fincar o peixe na água, usando a flecha, para servir nosso alimento. Se Xingu morre, o curumim do futuro dormirá para sempre no passado, levando o canto da sabedoria do nosso povo para o fundo das águas de sangue.
Hoje pela manhã, o Vento me levou para a floresta. O Espírito do Vento é apressado, tem de correr mundo, soprar o saber da alma da Natureza nos ouvidos dos outros pajés. Mas o homem branco está surdo e há muito tempo não ouve mais o Vento. Eu falei com a Floresta, com o Vento, com o Céu e com o Xingu. Entendo a língua da arara, da onça, do macaco, do tamanduá, da anta e do tatu. O Sol, a Lua e a Terra são sagrados para nós. Quando um índio nasce, ele se torna parte da Mãe Natureza.
Nossos antepassados, muitos que partiram pela mão do homem branco, são sagrados para o meu povo. É verdade que, depois que homem branco chegou, o homem vermelho nunca mais foi o mesmo. Ele trouxe o espírito da doença, a gripe que matou nosso povo. E o espírito da ganância que roubou nossas árvores e matou nossos bichos. No passado, já fomos milhões. Hoje, somos somente cinco mil índios à beira do Xingu, não sei por quanto tempo.
Na roça, ainda conseguimos plantar a mandioca, que é nosso principal alimento, junto com o peixe. Com ela, a gente faz o beiju. Conta a história que Mandioca nasceu do corpo branco de uma linda indiazinha, enterrada numa oca, por causa das lágrimas de saudades dos seus pais caídas na terra que a guardava.
O Sol me acordou dançando no meu rosto. E o Vento trouxe o clamor do rio que está bravo. Sou corajoso guerreiro, não temo nada. Caminharei sobre jacarés, enfrentarei o abraço de morte da jiboia e as garras terríveis da suçuarana. Por cima de todas as coisas pularei, se quiserem me segurar. Os espíritos têm sentimentos e não gostam de muito esperar.
Eu aprendi desde pequeno a falar com o Grande Espírito da floresta. Foi num dia de chuva, quando corria sozinho dentro da mata, e senti cócegas nos pés quando pisei as sementes de castanha do chão. O meu arco e flecha seguiam a caça, enquanto eu mesmo era caçado pelas sombras dos seres mágicos da floresta.
O espírito do Gavião Real agora aparece rodopiando com suas grandes asas no céu. Com um grito agudo perguntou: Quem foi o primeiro a ferir o corpo de Xingu? Meu coração apertado como a polpa do pequi não tem coragem de dizer que foi o representante do reino dos homens. O espírito do Gavião Real diz que se a artéria do Xingu for rompida por causa da barragem, a ira do rio se espalhará por toda a terra como sangue e seu cheiro será o da morte.
O Sol me acordou brincando no meu rosto. O dia se abriu e me perguntou da vida do rio. Se matarem o Xingu, todos veremos o alimento virar areia. A ave de cabeça majestosa me atraiu para a reunião dos espíritos sagrados na floresta. Pisando as folhas velhas do chão com cuidado, pois a terra está grávida, segui a trilha do rio Xingu. Lembrei que, antes, a gente ia para a cidade e no caminho eu só via árvores. Agora, o madeireiro e o fazendeiro espremeram o índio perto do rio com o cultivo de pastos para boi e plantações mergulhadas no veneno. A terra está estragada. Depois de matar a nossa floresta, nossos animais, sujar nossos rios e derrubar nossas árvores, querem matar Xingu.
O Sol me acordou brincando no meu rosto. E no caminho do rio passei pela Grande Árvore e uma seiva vermelha deslizava pelo seu nódulo. Quem arrancou a pele da nossa mãe? gemeu a velha senhora num sentimento profundo de dor. As palavras faltaram na minha boca. Não tinha como explicar o mal que trarão à terra. Leve a nossa voz para os quatro cantos do mundo clamou O Vento ligeiro soprará até as conchas dos ouvidos amigos ventilou por último, usando a língua antiga, enquanto as folhas no alto se debatiam.
Nosso povo tentou gritar contra os negócios dos homens. Levamos nossa gente para falar com cacique dos brancos. Nossos caciques do Xingu viajaram preocupados e revoltados para Brasília. Eu estava lá, e vi tudo acontecer. Os caciques caraíbas se escondem. Não querem olhar direto nos nossos olhos. Eles dizem que nos consultaram, mas ninguém foi ouvido. O homem branco devia saber que nada cresce se não prestar reverência à vida e à natureza. Tudo que acontecer aqui vai voar com o Vento que não tem fronteiras. Recairá um dia em calor e sofrimento para outros povos distantes do mundo. O tempo da verdade chegou e existe missão em cada estrela que brilha nas ondas do Rio Xingu. Pronta para desvendar seus mistérios, tanto no mundo dos homens como na natureza.
Eu sou o cacique Mutua e esta é minha palavra! Esta é minha dança! E este é o meu canto! Porta-voz da nossa tradição, vamos nos fortalecer. Casa de Rezas, vamos nos fortalecer. Bicho-Espírito, vamos nos fortalecer. Maracá, vamos nos fortalecer. Vento, vamos nos fortalecer. Terra, vamos nos fortalecer. Rio Xingu! Vamos nos fortalecer! Leve minha mensagem nas suas ondas para todo o mundo: a terra é fonte de toda vida, mas precisa de todos nós para dar vida e fazer tudo crescer. Quando você avistar um reflexo mais brilhante nas águas de um rio, lago ou mar, é a mensagem de lamento do Xingu clamando por viver. Cacique Mutua"

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Blogs que se transformam em empregos

Lançando o equivalente digital à mensagem na garrafa no vasto oceano da internet, muitas pessoas começam sites ou blogs esperando encontrar um público apreciativo para os vídeos de seus rebentos precoces, receitas de bolinhos ou comentários profundos sobre a vida cotidiana. O sonho, claro, é desenvolver uma ampla e leal legião de seguidores – e acabar lucrando com isso.
Embora a maioria desses editores de si próprios não atraia a atenção de qualquer pessoa além de familiares e amigos, existem aqueles que obtêm um reconhecimento maior – e algum lucro. O que esses bem-sucedidos têm em comum é uma paixão por seu assunto e uma quase compulsão por compartilhar o que sabem. Propaganda, merchandising, eventos offline, contratos de livros, doações – e algumas vezes a pura sorte – também podem ter alguma participação.
“Meu conselho é escolher um tópico do qual você nunca se cansará”, disse Stephanie Nelson, de 47 anos, dona de casa de Atlanta que fundou o CouponMom.com em 2001. O site compartilha dicas sobre como economizar dinheiro ao usar cupons de compras, comuns nos EUA. “Nos primeiros três anos eu não ganhei nem um tostão; para seguir com tudo, tinha de amar o que estava fazendo”.
Segundo ela, o site possui hoje mais de 3,8 milhões de visitantes por mês e a receita gerada sustenta uma família de quatro pessoas – permitindo que seu marido se aposentasse precocemente, há cinco anos. “Não estou cansada disso”, afirmou Nelson.
Metade da receita do site vem do serviço AdSense, do Google, e a outra metade de empresas como Groupon e LivingSocial – que compram anúncios diretamente com ela. O AdSense gera anúncios de texto com base nas palavras que aparecem nas páginas web. Por exemplo, se um posto do blog fala de cachorros, surgem anúncios de rações caninas.
Muitos dos anúncios do Google só geram lucro se as pessoas clicam neles – geralmente frações de centavos por cada clique. Também é possível ser pago a cada vez que um anúncio Google aparece numa página. As taxas são determinadas, em parte, por publicitários fazendo lances num leilão online.
Outras empresas, como BuySellAds.com eBlogAds, permitem que os blogueiros determinem o quanto querem cobrar pelos anúncios em seus sites. Então eles ligam os sites aos anunciantes, cobrando uma porcentagem das vendas de anúncios – geralmente, entre 14 e 30 por cento.
A Federated Media, empresa de gerenciamento de talentos na Web, é mais seletiva, negociando taxas em nome de criadores independentes de conteúdo que concorda em representar. No geral, valores de anúncios online variam bastante, de US$ 54 mil por dia para um anúncio no popular blog PerezHilton.com, a US$ 10 por mês no blog de quadrinhos The Soxaholix. The New York Times Co. investe na Federated Media.
Clayton Dunn, de 32 anos, e Zach Patton, de 31, os blogueiros por trás de The Bitten Word, ganham cerca de US$ 350 ao mês com os anúncios de pagamento por clique do Google e em comissões do site Amazon.com – quando os leitores seguem links de aparelhos de culinária, livros e assinaturas de revistas que eles recomendam. Dunn e Patton, que moram em Washington e blogam sobre receitas de revistas populares que tentaram fazer, começaram o site em 2008 – e hoje têm cerca de 150 mil visitantes por mês.
“Hoje ele rende mais do que o dinheiro do pão”, declarou Dunn, acrescentando que eles ainda são recompensados pelos leitores, que lhes presenteiam com iguarias como abacates frescos e xarope de gengibre havaiano.
Para quem quer aumentar a receita com anúncios, Jonathan Accarrino, fundador do blog de tecnologia e 'como fazer’ MethodShop.com, sugere ter anúncios contextuais; estes são palavras destacadas no meio dos posts, com links ao vendedor de um produto ou serviço relevante. Uma comissão é paga sobre as vendas geradas.
Segundo Accarrino, inserir vídeos num post é outra estratégia que contribui à receita anual de seis dígitos de seu blog: “Gravo tutoriais em vídeo e faço o upload ao Blip.tv”, serviço similar ao YouTube. E como o YouTube, o Blip.tv dá aos usuários a opção de colocar anúncios nos vídeos. Estes geram de US$ 1 a US$ 10 para cada mil visualizações, dependendo do anunciante.
De fato, muitos blogueiros de vídeo ganham dinheiro dessa forma. Sheila Ada-Renea Hollins-Jackson, maquiadora de 22 anos de Farmington, Michigan, recebe até US$ 200 por mês com os 63 vídeos sobre tratamentos de beleza que postou no YouTube desde 2008. “Já paga minha conta de celular”, disse ela.
Esses blogueiros se inscrevem ou são convidados pelo YouTube para exibir anúncios com base no número de visualizações ou na qualidade do conteúdo.
Vender produtos num blog ou site pessoal pode render ainda mais dinheiro.
Darren Kitchen, de 28 anos, diz ganhar US$ 5 mil por mês vendendo adesivos, camisetas, bonés e ferramentas para hackear computadores em seu site, Hak5.org, que oferece um vídeo semanal sobre hackear computadores.
“É uma loucura o número de pessoas que quer os adesivos”, afirmou Kitchen, que iniciou o Hak5 em 2005 e afirma ter 250 mil visitantes mensais.
Contratos de livros são o objetivo final para muitos blogueiros aspirantes a escritores. Molly Wizenberg, de 32 anos, começou seu blog, o Orangette, em 2004, como forma de afiar suas habilidades de escrita após abandonar um programa de doutorado em antropologia.
Suas reflexões sobre comidas e a vida atraíram 350 mil visitantes por mês e a atenção da editora Simon & Schuster, levando à publicação no ano passado de seu livro, 'A Homemade Life: Stories and Recipes From My Kitchen Table’ ('Uma vida caseira: Histórias e receitas da minha mesa da cozinha’, em tradução livre). Em abril ela assinou contrato para escrever mais um livro.
“Isso vai além do que jamais imaginei”, afirmou Wizenberg.
Algumas pessoas simplesmente pedem que seus fãs e seguidores façam doações para apoiar seus esforços criativos. Kelly DeLay, de Frisco, no Texas, disse receber de US$ 200 a US$ 400 por mês dos visitantes de seu site, The Clouds 365 Project, no qual ele posta uma foto diária de formações de nuvens. “As pessoas podem ser bastante generosas”, disse DeLay, que começou a tirar fotos de nuvens depois de perder o emprego de diretor de mídias interativas, em 2009.
Cobrar pelo conteúdo também é uma opção. Collis Ta’eed, morador da Austrália de 31 anos, fundou o FreelanceSwitch.com, que oferece conselhos práticos a trabalhadores freelance, e o Tuts(PLUS), que traz tutoriais relacionados à tecnologia. Ele garante ganhar US$ 150 mil por mês com seus sites, a maior parte de conteúdo premium – basicamente tutoriais e e-books. “As pessoas pagarão por conteúdo se você lhes oferece algo de valor, que seja autêntico e útil de maneira geral”, disse Ta’eed, contando que seus dois sites recebem 6,4 milhões de visitantes por mês. Um exemplo de conteúdo útil é o quadro de empregos do FreelanceSwitch, que rende US$ 7 mil por mês, afirmou. Quem divulga vagas não paga nada; quem busca empregos paga US$ 9 por mês. E algumas vezes, pessoas pagam para comparecer a eventos organizados por blogueiros que admiram. Steve Pavlina, de Las Vegas, disse ganhar US$ 40 mil com os workshops de final de semana que surgiram a partir de seu blog, StevePavlina.com, focado em questões ligadas ao desenvolvimento pessoal. Ele criou o blog em 2004, e diz ter 2,4 milhões de visitantes mensais. Além dos workshops, ele disse fazer cerca de US$100 mil por mês em comissões de vendas de produtos recomendados no blog, como cursos de leitura dinâmica e liquidificadores de alta velocidade.
“Digo às pessoas que, se elas querem começar um blog unicamente para ganhar dinheiro, é melhor desistir logo de cara”, afirmou Pavlina. “Você precisa gostar muito e ser apaixonado pelo assunto”.
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