quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Quem tem fé vai a pé

Foto: Thiago Teixeira | Ag. A TARDE
Por Cleidiana Ramos

Milhares de baianos e turistas já estão no adro da Igreja do Bonfim para a lavagem das escadarias. A Lavagem do Bonfim é uma das festas mais populares do calendário do verão de Salvador e mistura fé e muvuca, bem do jeito baiano de ser.

É uma homenagem ao católico Senhor do Bonfim, ou Senhor da Boa Morte, uma devoção iniciada pelo capitão Theodósio Rodrigues de Farias, membro da Armada Portuguesa. Após sobreviver a um naufrágio no século XVIII, o militar resolveu construir uma igreja em agradecimento.

Logo, o templo virou endereço de romaria. O início da lavagem é ainda controversa, mas parece ter começado durante os preparativos para a grande festa em homenagem ao Senhor do Bonfim que acontece no domingo.

Mas o que a gente realmente percebe é um forte simbolismo com as homenagens a Oxalá, divindade do candomblé. O rito realizado nos terreiros é chamado de Águas de Oxalá, daí a presença das baianas no cortejo da lavagem levando na cabeça as quartinhas cheias de água de cheiro, preparadas com ervas especiais.

Aliás, para os devotos, a obrigação de andar os 7,5 quilômetros da Conceição até o adro da Igreja do Bonfim só está completa quando conseguem convencer uma das baianas a derramar sobre as suas cabeças um pouco de água de cheiro.

E, acreditem, tem até uma história envolvendo esta devoção com a Guerra da Independência da Bahia, ocorrida de novembro de 1822 a julho de 1823.

Este episódio é sempre contado pelo professor e historiador Cid Teixeira: durante o cerco das tropas brasileiras e a crescente tensão que se seguiu, pois os portugueses estavam sitiados em Salvador, o general português, Madeira de Mello, resolveu tirar a imagem da Colina Sagrada e levá-la para um convento no Terreiro de Jesus.

Era uma forma de tentar irritar as tropas brasileiras. A estratégia não deu o resultado que o general português queria e, quando o chamado Exército Libertador entrou na cidade no dia 2 de julho de 1823, uma das primeira providências foi levar a imagem de volta para o Bonfim em meio a uma grande festa.

Daí fica explicado o trecho do hino, que não é o oficial, mas aquele que ganhou a aprovação do povo, composto para comemorar o centenário da Independência:

“Glória a Ti, neste Dia de Glória/ Glória a Ti Redentor que há cem anos/Nossos pais conduziste à vitória, pelos mares e campos baianos”.

Para quem quiser saber mais sobre o lado afro religioso da lavagem vale conferir o livro Águas do Rei, do doutor em antropologia e professor da Ufba, Ordep Serra.

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