quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Ladrões de Bicicleta - Os Novíssimos Baianos

O cenário atual da música baiana é amplo. Bebe em fontes variadas e dialoga com diferentes vertentes da música de Carnaval, como a guitarra baiana, o afoxé e ritmos do candomblé. Apenas em 2009, foram lançados mais de 30 discos que revelam um novo momento de efervescência para a produção musical na Bahia

Por Pedro Alexandre Sanches
Os roqueiros do Ladrões de Bicicleta. O quarteto rock'n'roll passeia também por MPB, guitarra baiana e axé

"Talvez eu não entendesse Luiz Caldas ou Chiclete com Banana. Salvador era uma monocultura, você fazia isso ou ficava fora", diz o músico Ronei Jorge, numa reavaliação do passado recente da Bahia onde nasceu. "Hoje, os Retrofoguetes fazem surf rock misturado com música do Leste Europeu, têm uma festa chamada Retrofolia, tocam com Haroldo Macedo (do Trio Elétrico Dodô & Osmar). Eu já cantei marchinhas de Carnaval com eles." Passada uma geração do boom da axé music, Ronei Jorge e sua banda, Os Ladrões de Bicicleta, praticam hoje um rock'n'roll que não odeia MPB, guitarra baiana ou axé.

É evidente o refluxo dos excessos mercadológicos que centraram a música baiana na busca de cifrões astronômicos e restringiram a histórica riqueza local a uma quase-ditadura musical. A axé não perdeu seu posto de liderança, mas ventos de diversidade e pluralidade musical sopram na Bahia, e o êxito da banda Retrofoguetes é uma prova: até surf music se faz no berço de Dorival Caymmi, bossa nova, Tropicália e samba-reggae. E, após um período em que o axé foi a personificação do inimigo, músicos de hoje passam a revalorizar elementos daquela cultura. Exemplo loquaz é o trabalho do grupo Baiana System, fundado em reelaborações de guitarra baiana, do trio elétrico à lambada, com lugar até para algum tom de protesto.

Nova brisa musical sopra também com Dão e Caravanablack, um combo dedicado a inserir funk e soul na música baiana, em temas como Quilombolasoul, Saravaquelé (em homenagem a Clementina de Jesus) e Blackmusic. "Apesar de a Bahia ser um estado negro, um negrão bebendo mais no funk não é algo intenso por aqui", conta Gilberto Monte, produtor musical, ex-integrante do duo eletrônico Tara Code e gestor de políticas públicas de diversidade como diretor de música da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). Funk e soul (e rock) também são matéria-prima da banda Radiola, e Macumba é o nome de um de seus afrofunks. O Clube da Malandragem rompe mais hábitos e traz o som do samba e do samba-rock, numa perspectiva mais Jorge Ben Jor que Novos Baianos. A influência do reggae permanece em primeiro plano, como se ouve no grupo Império Negro. Só aqui a misturança envolve música latina, tambores afro e MPB, rumo a uma aproximação com o hip-hop, em títulos mestiços como Oxente, Axé para Mulheres e Jah Bless. Mais ortodoxo no uso do hip-hop é o grupo O Quadro, de Ilhéus, de raps militantes como Gueto Absurdo e o grooveado Tropeços e Percalços.

A MPB é outro farol importante para os novíssimos baianos. Na terra de Maria Bethânia e Gal Costa, uma das vozes da vez é a de Mariella Santiago, cantora negra de presença forte e timbre aveludado, instalada entre a brancura da bossa nova e a negritude de jazz, soul e candomblé. Outra é a do cantor e compositor Paquito. "Eu descendo da Tropicália, o que me permitiu atuar na área do rock e produzir discos de samba", define-se. "Sou um artista de MPB, apesar de não gostar desse termo, com ligação grande com o universo do rock, o primeiro tipo de música que ouvi, via Roberto Carlos", emenda. Apaixonado por Luiz Gonzaga e pela música brasileira dos anos 30 e 40, ele fala do tempo em que começou: "Iniciei com uma banda de rock numa época em que fazer o mix com a canção brasileira era um sacrilégio. A banda, Flores do Mal, sofreu preconceito porque gostávamos dos tropicalistas em plena década de 80. Isso, felizmente, mudou, vide o reconhecimento do trabalho de Ronei Jorge". Na clave da modernização das MPBs se situam nomes como a brava cantora e compositora Rebeca Matta, o melancólico duo de bossa eletrônica Dois em Um, o grupo folk-rock-bossa-emepebista Teclas Pretas, o compositor Paquito e, hoje radicados fora da Bahia, os pós-tropicalistas Lucas Santtana, Márcia Castro e Damm & Formidável Família Musical.

São apenas exemplos. O traço que dá sabor de unidade a esses e dezenas de outros nomes é a renovação por meio da pluralidade, o que coloca a Bahia pop dos anos 2000, definitivamente, num rumo pós-axé.

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