quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Crítica/"Saudações"

Gismonti dilui fronteira entre popular e erudito
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Nelson Freire tocando Debussy é uma coisa, Claudia Leitte cantando "Exttravasa" é outra. Para além desses exemplos extremos, contudo, a música brasileira tem uma série de artistas que tornam tênue e diluída a fronteira entre o erudito e o popular. Um dos exemplos mais constantes e consistentes é o carioca Egberto Gismonti, 62.
Lançado no mercado internacional, "Saudações", último álbum do multi-instrumentista, é um disco duplo, no qual o segundo CD traz uma série de duetos de violões dele com o filho, o violonista Alexandre Gismonti. Privilegiando as proezas de velocidade e sonoridades ásperas e duras, eles revisitam, com virtuosidade, standards de Egberto, como "Palhaço" e "Dança dos Escravos".
Se você quiser algum tipo de classificação, quando toca com o filho, ele faz música popular instrumental. Contudo, se tiver que merecer alguma etiqueta, "Sertões Veredas - Tributo à Miscigenação", a obra ambiciosa e sofisticada que toma todo o primeiro disco do álbum, possivelmente tem que ser chamada de música erudita. Trata-se de uma vasta suíte em sete movimentos, com 70 minutos de duração, defendida com empenho e afinação pela Camerata Romeu, orquestra de cordas cubana integrada exclusivamente por mulheres e dirigida pela maestrina Zenaida Romeu.
Nela, Gismonti toma o universo de Guimarães Rosa como ponto de partida, e cruza, com seu idioma bastante peculiar, influências díspares, que vão desde as músicas folclóricas das diversas partes do Brasil aos universos de Vivaldi, Bach, Mozart, Beethoven, Villa-Lobos e Stravinski.
São mundos sonoros dentro dos quais o autor se move com desenvoltura e facilidade, e o diálogo entre eles acaba soando, portanto, natural e espontâneo, sem nada de forçado. O resultado é uma peça exuberante e contemporânea no melhor sentido do termo, e mais do que digna de figurar no repertório das orquestras brasileiras.

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