terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A classe média da cultura

Foto Melinka
Na gestão Lula, o Ministério da Cultura só intensificou a tradicional política de balcão, que prometeu acabar. O novo ministro cede aos interesses dos grandes e investe numa nova clientela, representantes das populações mais pobres, que nunca tiveram acesso ao financiamento cultural. Enquanto isso, a classe média da cultura definha e agoniza.

A valorização dos saberes e fazeres do Brasil profundo é indispensável para qualquer projeto de desenvolvimento. Incluir essa nova clientela ao balcão do MinC é, sem dúvida, algo que devemos comemorar. O que não concordo é a maneira com que o governo faz isso. Os benefícios não são universalizados, como no bolsa-família, que considero uma política de emergência e importantíssima para o país. Apenas uma ínfima parcela dos promotores de cultura popular tem acesso aos benefícios.

O governo privilegia aqueles grupos mais preparados para enfrentar a burocracia estatal, já que não há nenhuma novidade na relação entre Estado e sociedade civil. Ou acaba os punindo, por não se adequarem à burocracia, como é o caso dos inúmeros pontos de cultura que sofrem com os já conhecidos problemas de gestão do MinC.

Embora os editais pareçam mais democráticos, eles apenas disfarçam os critérios de escolha de projetos, pouco transparentes, com o poder decisório nas mãos da esfera governamental. Uma sofisticação do velho clientelismo do Estado brasileiro.

O governo não tem ideia de como ativar economicamente os grupos populares por ele atendidos. Por enquanto, o interesse é empurrar com a barriga, deixar a solução para a próxima gestão. Ou correr o risco de ver tudo se perder nas mãos da oposição.

Fiz uma conta de padeiro, somando todos os prêmios, pessoas e organizações beneficiadas com os editais voltados às populações menos privilegiadas, como pontos de cultura e editais da secretaria da identidade e o Mais Cultura. Nos 7 anos de gestão do governo Lula, essa clientela não chega a 5 mil benefícios. No mesmo período o mecenato (modalidade da Lei Rouanet que envolve o investimento privado) atendeu 10 vezes mais projetos.

Os dados não são precisos, eu sei. Mas aí está o problema. Não temos dados precisos. Eles são manipulados de maneira vergonhosa pelo Ministério da Cultura. Na coletiva de imprensa para anunciar o projeto do Procultura, que não está disponível para os cidadãos, apenas para o José Sarney, o ministro nos disse que 95% do dinheiro investido pelas empresas em cultura é de origem pública e apenas 5% é privado. Acredito que uma pesquisa séria apontaria outra realidade.

Se levarmos em conta o investimento de todos os artistas em suas carreiras, grupos e companhias, o financiamento de empresas de mídia e entretenimento, os patrocínios, todos esses dados não levantados extrapolariam e muito o ínfimo e vergonhoso investimento estatal na área cultural.

O Ministério também não sabe dizer quantas empresas passaram a investir em cultura de forma estratégica, ampliando investimentos e colocando dinheiro do bolso para ações culturais ou promocionais que envolvam cultura. Quero lembrar que muitos artistas mantém pesquisas e projetos artísticos com o dinheiro provindo do mercado. Posso citar inúmeros exemplos disso.

Ou seja, desconhece os reais efeitos, positivos e negativos, do mecenato para o Brasil. Temos muitos artistas descontentes com os rumos do mecenato e com as dificuldades que os vícios do mercado gerou para os artistas. Eu sou um crítico histórico dos efeitos perversos da Lei Rouanet, mas não posso deixar de avaliar os reais impactos desse instrumento para a sociedade brasileira.

Utilizar as críticas para eliminar a única forma por enquanto existente para financiar o produtor médio de cultura no Brasil é um ato insano, que atenta contra os direitos culturais adquiridos pela sociedade brasileira, que devem ser ampliados. Quero lembrar que 65% dos projetos financiados pelo mecenato são de até R$ 150 mil.

Depois da derrocada do projeto da Ancinav, o Ministério só tem ampliado os benefícios das majors, empresas internacionais de entretenimento, que ampliam sua presença do mercado, antes restrita apenas à distribuição e exibição, para a co-produção com dinheiro público. Enquanto pretende eliminar os direitos da classe média, o Ministério concede mais e mais benefícios para o topo da pirâmide.

Mas o que tem de errado com a classe média? Ela é menos homogênea, mais difícil de ser cooptada. Ela grita, incomoda, combate, reclama, conscientiza e garante a liberdade de expressão necessária para a consolidação do Estado Democrático de Direito. E faz a vida de gestores populistas mais difícil.

Embora aponte para os privilegiados, ou para a elite cultural do país, o MinC com seu Procultura atinge em cheio a classe média.

Sobre "Leonardo Brant " http://www.brant.com.br

Pesquisador de políticas culturais. Autor do livro "O Poder da Cultura" e diretor do webdocumentário Ctrl-V::VideoControl.

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