"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos" - Fernando Pessoa
Ouvimos e falamos o tempo todo. Tempo é dinheiro. Não tenho tempo. Meu dia precisava ter 48 horas. Onde vou arrumar tempo? "Tempo, tempo, tempo, tempo", como no estribilho da canção de Caetano Velloso, Oração ao Tempo. E aí ficamos atordoados, preocupados e não tratamos a nossa melhor unidade, o tempo, como deve ser tratada. Não lhe damos carinho, só reclamações. Não lhe damos descanso, só trabalho. Não lhe damos consideração, só atropelamos. Não lhe perdoamos de nada, somos implacáveis. E que tal começar a ver o tempo na sua real dimensão? Valorizá-lo, não barganhar. Só trocar quando for absolutamente necessário.
Quando eu era criança, o melhor quadrinho para mim era aquele em que o SuperHomem, com a sua super-velocidade, corria ao redor da Terra, dando a volta ao contrário, para fazer o tempo retroagir. Como eu gostava de imaginar que isso fosse verdade, sobretudo no dia após feriado... Queria continuar sem fazer nada, a não ser ler o que quisesse, brincar até me aborrecer. E ainda por cima, à noite, em minha casa, feriado era como domingo. Não tinha jantar, tinha lanche.
E lá vinha o horrível dia seguinte: arroz, feijão, legume, hora de tomar banho, de ir à escola, de "corre, você está atrasada para o ballet". Ou para o piano, ou para a declamação, ou para qualquer coisa que era sempre obrigação. Jamais estive atrasada para ver televisão, brincar, ler, comer pizza ou dormir à tarde.
Foi essa relação plantada na infância de todos nós: o tempo era dedicado só ao que devia ser feito, ao prazer e a diversão era o que sobrava. Hoje, adultos, ficou em nós a eterna e culpada sensação que falta tempo. Priorizamos as obrigações que só fazem crescer com a idade e o correr das mudanças do ciclo de vida. Casamos e aí vem o tempo a se dedicar ao companheiro. E também aos filhos, as atualizações que o trabalho exige, aos parentes idosos, aos amigos da vida inteira... E ao esforço diário de cuidar da manutenção.
Livre-se da caixa de e-mails lotada
O dilema é permanente. Começamos o dia com uma enorme caixa de entrada de emails que só parece crescer. O que escolhemos para responder ou ver: a oferta da compra coletiva, o convite da festa do amiguinho, o orçamento que o seu gestor pede pra ontem, mandar um cartão de agradecimento? E lá vem mais: marcar médico, cortar o cabelo que está um pavor, a sua mãe pediu para não deixar de ligar para sua madrinha. E a reunião que foi desmarcada? É de enlouquecer! E o tempo que se perde no trânsito?
Como fazemos para conviver com o tempo, esse senhor implacável? Primeiramente tratando-o muitíssimo bem. Dando-lhe importância. E vamos começar eliminando, por meio do planejamento de nossas ações, aquilo que pode ser eliminado. Que tal, ao invés de despejar o armário toda manhã, escolher a roupa de véspera? E evitar ver email que não lhe interessa, abrindo uma pasta para aquela colega de colégio desocupada que só lhe manda spam e textos longos? As mensagens ficam na pasta, longe da sua visão e longe de você gastar tempo abrindo.
Dizer que tempo é prioridade não é o que espelha o nosso dia-a-dia. Pense em sua vida como um grande show. As prioridades são a hora de entrar no palco, o momento de se arrumar para show, a vez de descansar depois do espetáculo e colher o sucesso. Então, faça como os grandes produtores e artistas: calcule seu tempo, troque coisas, enquanto a orquestra ensaia, troque de roupa. Enquanto fazem o acerto de luz, ensaie. Pense que tudo é bom quando é pensado com antecedência. Isso é tratar o seu tempo com carinho.
Faça como disse Caetano. Diga que ele é lindo. O deus tempo vai lhe retribuir.
"Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo"
"Oração ao Tempo", Caetano Veloso.
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