Por Lala Deheinzelin
Eis aqui uma notícia que deveria estar em manchete nos jornais, trazida por Wang Xingquan, da Shanghai Academy of Social Sciences: neste ano, e como conseqüência da crise financeira, a Economia Criativa passou a ser a estratégia número 1 de desenvolvimento da China! Sábia decisão: por se tratar de economia baseada em recursos que não apenas não se esgotam, mas se renovam e multiplicam com o uso, a Economia Criativa é uma das únicas soluções possíveis para um futuro sustentável. Afinal, os recursos naturais são finitos, mas cultura, conhecimento e criatividade são recursos infinitos (ainda mais se aliados aos infinitos bits das novas tecnologias).
Enquanto isso, por aqui, nota-se que a Economia Criativa começa a estar na pauta de candidatos e governos, o que me deixa feliz, já que sou pioneira do tema no Brasil. Pena que avance tão pouco e que ainda seguimos modelos importados que não se aplicam ao nosso cenário. Seguem algumas sugestões de estratégias na esfera pública para que a Economia Criativa cumpra seu papel como motor de desenvolvimento sustentável.
Convergência: Planejamento e gestão devem ser feitos de forma integrada, unindo várias pastas, como Planejamento, Ciência e Tecnologia, Relações Interiores, Cultura e outros. Para isso são necessários instrumentos de governança, instâncias de tomada de decisão e gestão como Agência de Desenvolvimento, ou Agência de Sustentabilidade que “orquestram” a ação integrada (e tem um plano de longo prazo e técnico, que não pode ser mudado com novos governos).
Para nos orientarmos necessitamos duas coordenadas que se cruzam e nos localizam. Seguem alguns pares interessantes.
Visão sistêmica: hardware + software: Considerar não apenas a parte “hardware” (estrutural, recursos materiais, tangível, ecossistema ambiental) mas principalmente a parte “software” (processos, recursos humanos, intangível, ecossistema sócio cultural). Exemplo: os processos de restauro e revitalização geralmente contemplam apenas o estrutural, as obras arquitetônicas. E tendem a fracassar pois não tem o “software”: a parte humana, os processos ligados à educação, geração de conteúdo e de renda, mudança de mentalidade. Neste sentido, são assustadoras as perspectivas em relação ao que está sendo pensado para Copa do Mundo e Olimpíadas – “hardwares” caríssimos que tendem a deixar pouco além de enormes dívidas.
Setorial + territorial: tradicionalmente a Economia Criativa é organizada e fomentada em setores (audiovisual, moda, artes plásticas etc). Problema 1: está cada vez mais claro que a chave está no local, no território, é aí onde o desenvolvimento pode acontecer. Problema 2: o futuro está na economia de nicho, onde muitos e diversos produzem para muitos e diversos. Ocorre que o “blend” que diferencia e gera valor de cada criativo, coletivo, empresa ou município é uma mistura de setores. Problema 3: o futuro não é setorial, pois os limites entre as linguagens e área serão cada vez mais difusos. Problema 4: metade dos municípios do Brasil tem até 10.000 habitantes, fica difícil pensar em estratégias setoriais quando a escala é pequena.
Produção + circulação/promoção: as políticas geralmente dão apoio a produtos (e não a processos) ou seja à produção. Mas o maior investimento deveria ser feito nos pontos de gargalo de todas as áreas da Economia Criativa: circulação (ser distribuído) e promoção (ser visível e desejado). Garantir a circulação e visibilidade resulta em produção (vide o caso do Circuito Fora do Eixo).
Transdisciplinar, multifuncional: Esse é o conceito que deveria orientar tanto a formação de novos profissionais pois precisaremos muito de profissionais “modem” que dominem várias disciplinas, conectando linguagens e áreas diferentes, quanto a criação de espaços públicos, que devem ser pequenos, adaptáveis, multifuncionais o que permite otimizar recursos, espaço e tempo.
Formular política que atenda a estes quesitos é possível e já foi feito. Por exemplo aquela criada por Célio Turino: os Pontos de Cultura/Programa Cultura Viva, um dos conceitos mais em sintonia com o futuro que conheço e que espero que tenha continuidade.
Agora resta aos nossos líderes não perder o bonde da história, o que acontecerá se continuarmos com políticas e economia ainda com cara de “milagre brasileiro”, anos 70, indústria de commodities…
Vamos avançar para o século XXI?
[Fonte: Mercado Ético. Publicado em 19/01/2011]
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