Estranha, a obra de arte é aquilo que é reconhecido como manifestação de um saber. Uma aventura imprevisível, um jogo sem fim, com regras sendo inventadas a todo momento, sem ganhador nem perdedor.
A arte está sempre nos propondo mais problemas que soluções. Uma relação de tensão e desconfiança passou a reger a arte contemporânea, pela sua condição de ser provocativa e recusar a contemplação passiva.
Com a modernidade e suas vanguardas, principalmente Marcel Duchamp, a arte passou a ser qualquer coisa deslocada para o circuito da arte. Um objeto/lugar de um pensamento ou de uma idéia, independente do verniz textual e da autorização de um curador. O artista era um pensador, tinha uma atitude crítica. A produção do belo era a transformação de uma matéria-prima em produto simbólico, segundo a razão e a sensibilidade de um artista que dominava um saber, porque a arte não era um acidente diante da razão. Nos anos 70, no império da arte conceitual, fazer qualquer coisa arte era dominar uma teoria, se posicionar de forma consciente no universo da arte, da sociedade e da cultura de uma maneira geral.
O processo de inventar o objeto estético deteriorou-se com a facilidade e a rotina de um fazer mecânico que se repete sem o hábito da reflexão. Duchamp, quando inventou o readymade tinha consciência da armadilha da facilidade: “Logo percebi o perigo de repetir indiscriminadamente esta forma de expressão e decidi limitar a produção de readymades a uns poucos por ano.” O tempo da arte parece condenado com o descrédito dos paradigmas que norteiam a arte contemporânea. O artista precisa conhecer o seu ofício, é indispensável ter referências, na arte acadêmica o artista dominava um conhecimento que era o artesanato, a técnica, o saber das mãos. As chamadas novas linguagens e os novos suportes utilizados sem a precisão do raciocínio, são inovações duvidosas, muitas vezes, aquém dos suportes tradicionais. Num cômodo deslize, um estilo fácil dominou a contemporaneidade, como se a arte fosse um clichê, uma moda, ou um evento para o entretenimento de um público.
A obra de arte passou a ser secundária. E quem decide é o curador, o marchand, o cronista social ou o produtor cultural. A hegemonia do mercado foi acompanhada do aparecimento do curador em lugar do crítico, do produtor cultural e depois as leis de incentivo a cultura.
O objeto deslocado do contexto de origem, por determinação de um artista, é sustentado pela “teoria” imaginária de um curador. Dessa forma a arte como produto de um conhecimento específico deixa de existir. Por outro lado, esse suporte teórico é incapaz de fazer uma leitura crítica desse sucateado trabalho de arte e situá-lo no seu devido lugar cultural.
Um fluxo descontrolado de produtos artísticos deixa de ser uma surpresa. A imagem da arte não é um fragmento do mundo sensível destinado a ornamentar uma experiência mundana; mas um esquema de ordenamento do espaço plástico, a partir de um modelo abstrato de pensamento. Essa qualquer coisa chamada arte, que se utiliza de fáceis e limitados procedimentos, faz da arte contemporânea um estilo simulador de complexidades, cada vez mais incentivada pelos salões, pelo mercado e pela crítica inventada pela indústria cultural.
A arte contemporânea, recalcada nos anos 70, ficou na moda, faz parte do cotidiano dos atuais salões de arte. O belo é, para os novos especialistas da arte, a negação do pensamento, uma brincadeira da sociedade do espetáculo. A arte foi confinada a um campo restrito de experimentação, que tem como referência a tradição da facilidade. Os salões estão de cara nova, mas continuam com o mesmo modelo de seleção e premiação, o mesmo processo burocrático de outros tempos, que reforça a idéia de cultura como uma superstição, e não algo real.
No momento em que a diluição e a facilidade são as regras do fazer artístico, a reflexão cessa, a arte deixa de ser saber e passa a ser acessório de um lazer cultural. A ausência de estilo converteu-se num estilo inculto e inseriu o contemporâneo na periferia da cultura, protegida pela publicidade do olhar do espetáculo.
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