"Quem faz cultura tem poder"
por Tatiana Wuo
twuo@redegazeta.com.br
Leonardo Brant é um nome conhecido do cenário cultural nacional. Pesquisador de políticas culturais, ele já foi diretor da revista "Imprensa" e lançou os livros "Mercado Cultural", "Políticas Culturais" e "Diversidade Cultural". É editor, desde 1998, do blog "Cultura e Mercado", considerado um dos mais influentes sobre o assunto no Brasil - e com uma audiência que supera a de alguns jornais do país, como ele mesmo revela.
Na última quinta-feira, Leonardo esteve em Vitória para lançar o seu novo livro, "O Poder da Cultura", que ainda vai render um seminário em maio (informações em breve no site oficial da obra, opoderdacultura.com.br). No bate-papo com produtores culturais e representantes da área, ele falou sobre políticas públicas, leis de incentivo e sobre a dificuldade de definir o termo cultura. Com exclusividade para A GAZETA, em conversa antes da palestra, Brant afirmou a necessidade de criação dos chamados "serviços culturais" e destacou como a emergência das novas mídias pode ser positiva.
Como o livro aborda o poder da cultura?
O que eu tento apresentar no livro é que a ideia de cultura nasce a partir de relações de poder. Não existe cultura sem relação de poder. Eu faço uma análise da cultura a partir das dinâmicas socioculturais com esse filtro das relações de poder. É um livro sobre a função política da cultura.
A cultura seria um poder?
Na verdade, eu falo do poder de quem faz cultura. Cultura eu defino como um plasma invisível que a gente não consegue identificar. E como vamos dar poder para isso que a gente mal sabe o que é? Mas, sem dúvida, quem faz cultura tem poder, seja um poder no sentido do cidadão, da capacidade de se manifestar, colocar suas pautas e desenvolver a sua ação política. Eu parto da definição de cultura da Unesco, que está relacionada aos modos de vida, às crenças, aos valores. Sem querer contrapor essa definição, tento buscar mais do conceito. Quero dar uma perspectiva nova, da cultura como o que você pode extrair desse modo de vida e dos valores para transformar. Esse "para transformar" não está contemplado no conceito da Unesco.
Para transformar o quê?
A gente desde o começo apresenta a cultura do ponto de vista do indivíduo, do grupo social e da sociedade como um todo. Essas dimensões são convergentes. Se eu me transformar, eu transformo meu entorno e eu transformo a sociedade. Mas o mais importante é se transformar. E aí eu falo de qualquer dinâmica cultural, seja da cultura popular, da arte contemporânea; qualquer tipo de expressão e processo que passe pela questão cultural. Vai te transformar e auxiliar no embate cotidiano que o ser humano tem, de tentar se reconhecer, se identificar, saber a que veio.
Nesse sentido de transformações, os artistas devem ter função social ou política?
Mesmo sem se dar conta, sim. Eles têm uma dimensão política que é intrínseca ao fazer cultural. Assim como existe uma dimensão social e econômica no fazer cultural, mesmo que não se faça com uma intenção específica, existem os efeitos políticos, eles estão ali, mesmo que você não queira olhar para eles.
Então como se dá a transformação da cultura em produto?
Eu considero essa dimensão econômica da cultura, dentro do ambiente em que vivemos - de um país capitalista, embora muitas pessoas não queiram admitir - importante, mas outra coisa é a dimensão cultural da economia. A nossa sociedade do consumo, do espetáculo, está muito subordinada a ditames de comportamento que foram dados e construídos por sistemas culturais preestabelecidos que muitas vezes a gente não se dá conta que existem. Faz parte da estratégia dos sistemas de poder de informação não falar sobre os meandros de seu próprio sistema. Faz parte do processo cultural tentar explicitar um pouco mais as relações de poder, como se dão e como a nossa relação com esses sistemas de construção do imaginário acontece. Aí a gente começa a compreender o sistema financeiro e que tem uma relação de equilíbrio entre o lado cultural e o econômico.
Nesse processo, o que você acha das leis de incentivo?
Com certeza não é a melhor maneira de se realizar atividade cultural no país, mas é a que temos. Não devemos abrir mão dele por uma coisa que não sabemos o que é. É um assunto polêmico, que tem diversas nuances, mas acho que não devemos abrir mão da lei de incentivo em troca de um discurso de retomada do papel do Estado na cultura, porque por enquanto é só um discurso. Quando a gente construir dez anos de investimentos diretos e consolidados que sejam isentos, autônomos, e não seja algo atrelado a questões políticas e eleitorais, aí teremos um sistema um pouco mais desenvolvido. A sociedade precisa incorporar esses processos.
Como é esse acesso à cultura pela população?
Existe o direito de conhecer as outras culturas. Para isso o Estado precisa fornecer esses tais serviços culturais. A nação brasileira sequer sabe o que é serviço cultural. Sabe o que é serviço de saúde, de educação. Isso acontece porque fomos alijados desse direito na formação do nosso Estado. Não temos direito ao conhecimento existente em espaços como uma biblioteca. O grande desafio com politica pública no Brasil é como universalizar esses serviços.
São vários os fatores que contribuem para o que temos hoje no sentido de produções culturais. Qual é o papel das mídias neste processo?
Existe hoje um fenômeno que está em pleno curso, estamos vivendo isso agora, que é uma contraposição das novas mídias com as mídias tradicionais. Eu até prefiro chamar isso de um processo de convergência, porque existe um movimento das velhas mídias se incorporarem ao modo de fazer das novas mídias, o que acaba retardando um pouco o seu processo natural de derrocada e até, em alguns casos, ajuda a arremeter. Por outro lado, há o surgimento de milhões de novas possibilidades de interação e diálogo que não estão previstas nos sistemas estabelecidos. Acredito muito na convergência. Nem a velha mídia vai ser como era e nem a nova vai ser o que achava que seria.
Os livros já lançados
Mercado Cultural
Leonardo Brant aborda o lado social do investimento em cultura, analisa as leis de incentivo e oferece um guia completo sobre como patrocinar e vender projetos culturais. Lançado em 2004.
Diversidade Cultural
O livro disseca as relações internacionais e os efeitos da globalização sobre as culturas locais. Aponta caminhos para a discussão sobre diversidade no mundo. Lançado em 2005.
Políticas Culturais
Neste livro são colocados em pauta temas como cultura e globalização, mercado e sociedade, cultura e turismo, cultura e lazer, políticas culturais para a televisão. Lançado em 2002.
Chaves
A ideia de cultura, sempre moldada conforme as visões políticas de cada tempo, detém em si as chaves dos sistemas de poder. Chaves que podem abrir portas para a liberdade, para a equidade e para o diálogo. Mas também podem fechá-las, cedendo ao controle, à discriminação e à intolerância"Trecho do livro "O Poder da Cultura" Leonardo Brant
"Há o surgimento de milhões de novas possibilidades de interação e diálogo que não estão previstas nos sistemas estabelecidos"
"A nação brasileira nem sequer sabe o que é serviço cultural. Sabe o que é serviço de saúde, de educação. Fomos alijados desse direito"
Fomento
"O potencial simbólico de um povo e de uma nação está intimamente ligado a sua capacidade de desenvolvimento artístico, estético, de linguagem e de mercado. O Brasil precisa desenvolver fundos públicos autônomos, qualificados e com orçamento para lidar com essa emergência. O fomento não pode estar à mercê do mercado, tampouco sujeito às intempéries do governante de plantão"Trecho do livro "O Poder da Cultura" Leonardo Brant
Leia
Leonardo Brant - O Poder da Cultura
Editora Peirópolis 136 pág.
Quanto:R$ 27, em média.
Mais: opoderdacultura.com.br
Leia trechos do livro O Poder da Cultura, de Leonardo Brant
A ideia de cultura, sempre moldada conforme as visões políticas de cada tempo, detém em si as chaves dos sistemas de poder. Chaves que podem abrir portas para a liberdade, para a equidade e para o diálogo. Mas também podem fechá-las, cedendo ao controle, à discriminação e à intolerância.
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Culturas não são universais, modos de vida, costumes e crenças também não. Não por acaso, os direitos e liberdades culturais sejam os menos discutidos, celebrados e garantidos como parte indivisível dos direitos humanos. Costumo defini-los como quinta categoria desses direitos, pois seguem esquecidos, logo após os civis, políticos, econômicos e sociais, estes mais nobres, senão em efetividade, pelo menos em visibilidade.
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Uma nova possibilidade de democracia radical e direta forma-se nesse momento na web, por meio de blogs, mecanismos de rede, sistemas de troca de conteúdos culturais, permitindo o remix e novas formas de expressão, interação e participação política. Um movimento espontâneo da sociedade que evidencia a demanda por Cidadania Cultural.
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A centralidade da Lei de Incentivo na gestão das políticas públicas de cultura trouxe uma sensação de desvio de função do dinheiro público, pois as empresas eram incentivadas pelo próprio governo a utilizar eventos culturais como forma de comunicação empresarial, por meio de uma cartilha intitulada Cultura é Um Bom Negócio, cuja lógica funciona até os dias de hoje.
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A consolidação da economia como ciência dominante em nosso tempo fez com que lhe subordinássemos todas as outras formas de manifestação humana como fenômenos derivativos, seguindo uma lógica e uma codificação próprias. E com a cultura não foi diferente.
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A cultura do espetáculo firmou-se como um dos elementos mais marcantes da sociedade de consumo, sobretudo a partir do pós-guerra nos Estados Unidos. E tornou-se uma arma para conquista de mercados e, sobretudo, para disseminação do jeito americano de viver. Todo o movimento da contracultura valeu-se desse expediente, com artistas engajados pela paz.
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O potencial simbólico de um povo e de uma nação está intimamente ligado sua capacidade de desenvolvimento artístico, estético, de linguagem e de mercado. O Brasil precisa desenvolver fundos públicos autônomos, qualificados e com orçamento para lidar com essa emergência. O fomento não pode estar à mercê do mercado, tampouco sujeito às intempéries do governante de plantão.
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