Quero marcar, como sempre faço em temas sensíveis, algumas posições a respeito da situação atual do país. Depois de muito tempo a sociedade brasileira assumiu a questão da assistência social como prioridade. Tanto no âmbito federal quanto em muitos estados, passamos a encarar a nossa condição contraditória de ser um dos países mais ricos do mundo e, ao mesmo tempo, um dos mais mesquinhos, em termos de distribuição de renda e combate à pobreza.
A bolsa família consegue traduzir bem essa nova atitude em relação à parcela mais pobre da população. Por outro lado, não conseguimos avançar, dar um segundo passo em relação às populações que vivem à margem dos benefícios de um país rico, líder mundial e uma das grandes promessas de futuro para o planeta.
É aí que entram as políticas de cultura, que têm se mostrado extremamente eficazes no impulso ao empreendedorismo, ao desenvolvimento comunitário e à economia solidária. Mas não podemos deixar de observar as distorções e os efeitos nocivos quando utilizadas de maneira oportunista, em substituição ou reforço da assistência social.
No caso do atual governo, podemos citar alguns exemplos disso. Os editais da Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural e, mais recentemente, algumas atividades do programa Mais Cultura, talvez traduzam bem a questão que desejo discutir.
Não quero com esses apontamentos negar importância de políticas efetivas para os mestres da cultura popular ou das comunidades indígenas, por exemplo. Pelo contrário, a pauta é oportuna e necessária. Apenas considero a maneira de intervenção encontrada pelo governo, apesar de válida, inadequada.
Deveríamos pensar no fortalecimento contínuo ao mapeamento, reconhecimento e difusão do legado dos nossos mestres, mas preferimos lavar as mãos com prêmios e ações pontuais, sem qualquer efeito público. Apenas um paliativo ao sofrimento individual de cada um. As ações constituem mais em um ato simbólico do que em uma ação afirmativa, positiva e efetiva.
Precisamos avançar, para além desse novo balcão assistencialista criado no Brasil, em contraposição ao balcão do mercado cultural altamente concentrado nos grandes centros do país, sobretudo no sudeste maravilha. Até mesmo os pontos de cultura, a mais revolucionária ideia do atual governo, abandonou a lógica da emancipação, autonomia, empoderamento local, articulação em rede, para sucumbir à lógica do balcão Mais Cultura, para não dizer a lógica da eleição que se aproxima.
A pergunta que vale colocar não só para a Dilma, mas para todos os outros candidatos, e até mesmo para nós que vivenciamos o processo de mutação e elevação das políticas culturais a um patamar estratégico: o que queremos dessas políticas? Para onde vamos com elas?
Parece-me que a vocação de uma política cultural contemporânea, para um país como o Brasil, é a de reduzir os déficits educacionais e impulsionar as oportunidades econômicas para uma gama agentes recém-ingressos às classes consumidoras. Transformar consumidores em cidadãos, capazes de decidir sobre o futuro político do país.
Minha análise não aponta para um retrocesso nas políticas de cultura. Muito pelo contrário. Fomos capazes de revelar o que estava nas entranhas do Brasil profundo e revelá-los ao Brasil. Mas precisamos avançar nas ferramentas de valorização e impulso a essa grande demanda reprimida, atuante muito antes de ser apropriada pelo governo provedor e paternalista.
Embora seja perceptível o avanço e reconhecimento das ações culturais atrelada ao desenvolvimento, ainda não conseguimos gerar novas formas de enfrentar a inclusão econômica por meio da cultura, a relação entre cultura e educação e o profundo impacto das ações culturais sobre o processo emancipatório das comunidades. Isso é responsabilidade de toda a sociedade e não somente do governo.
O momento de campanha eleitoral é propício para propor e buscar soluções para o avanço nas políticas sociais. E o papel da cultura é fundamental para, enfim, transpormos o assistencialismo e construirmos políticas efetivas de participação e cidadania cultural.