Cultura – um bem essencial para o desenvolvimento, físico e espiritual humano. Neste contexto e em um mundo sem fronteiras como o da atualidade, a cultura tem impacto significativo na vida dos cidadãos em qualquer parte, é um bem estratégico para a sobrevivência em vários países. Prova disso são os relatórios do Banco Mundial indicando que 7% do PIB do planeta provêm da cultura, que ao longo tempo tem sofrido mutação, antes de elemento de dominação social e política para o de dominação de forte presença econômica.
Vemos hoje países, regiões e povos que historicamente têm sido aviltados pelo poder econômico encontrando-se desprotegidos não só na absorção de sua cultura, mas também na exclusão nos resultados econômicos provenientes deste bem. Um grande exemplo vem da América Latina e da África, que, apesar da diversidade e riqueza cultural que possuem, não somam 4% da movimentação do mercado global da cultura, em que apenas cinco países controlam 60% de toda a produção, principalmente cultura tecnológica, a que mais influencia e traz dividendos de dominação política e econômica.
Isto fica nítido quando analisamos as empresas culturais relacionadas ao cinema: as indústriais do entretenimento de Hollywood, nos Estados Unidos, possuem 80% das salas de cinema de todo o planeta, ou seja apenas um setor econômico de um país tem domínio sobre praticamente tudo o que o mundo vê nas salas de cinema, gerando uma concentração violenta em um só setor.
No Brasil, segundo os últimos dados do IBGE, a indústria cultural conta com mais de 269 mil empresas e emprega 1,4 milhão de pessoas (sem contar a economia informal). São perceptíveis as péssimas condições econômicas em que vive grande parte dos trabalhadores nesta área, como artistas, técnicos e produtores.
Perceptível também é a falta de qualquer estratégia que impulsione este setor para a auto-sustentação. Quase todas as políticas relacionadas ao incentivo e à difusão dos produtos culturais no Brasil se fazem através de projetos de curto e médio prazo, não existe política consistente visando a auto-sustentação, estabilização e exportação no setor em nosso país.
Aqui, onde a cultura negra é patente, estando presente em todos os aspectos da vida social, como música, culinária, religião, artes visuais, moda e dança, sendo praticamente impossível pensar o país sem reportar essa presença, a história se repete quando se fala na divisão dos lucros provenientes desse produto: a exemplo de outros setores da economia brasileira, o negro encontra-se de fora.
Reverter este quadro desfavorável em que a cultura se encontra é de vital urgência para a nossa sobrevivência econômica e social; apesar dos anos de escravidão e dos poucos anos de pseudoliberdade, temos sido os responsáveis pela difusão da cultura brasileira dentro e fora do país. Antes mesmo de se inventar o termo Economia Criativa, nossas avós já sobreviviam com criatividade econômica em que a matéria prima era a cultura, preservada desde África e comercializada mesmo que de modo informal no seio da sociedade. Falo da baiana do acarajé que com seu tabuleiro e sua culinária milenar africana sustentou e ainda sustenta gerações. Falo também do capoeirista que com sua arte e inteligência criou grupos de alunos e hoje projeta o Brasil em mais de 150 países, e do futebol com sua ginga, sua malemolência de jogadores como Pelé, Ronaldinho ou Cafu, projetando o Brasil no mundo por décadas, tempo esse em que nenhuma ação patrocinada pelo Estado conseguiria tamanho efeito positivo.
O que diríamos, então, da música dos nossos cancioneiros populares, ou até mesmo da Bossa Nova, gênero musical respeitado hoje no mundo inteiro, cuja matriz mais uma vez remete ao samba, à cultura negra pujante que ainda sobrevive nos morros e nas periferias deste país, dando sobrevivência a muitos grupos musicais dessa tal economia criativa? O que dizer do carnaval, nossa maior festa popular exportada para quase todo o mundo, cuja mola propulsora mais uma vez é o samba, ritmo trazido pelos nossos antepassados da África?
Falar em economia criativa, para nós, é simplesmente endossar tudo o que temos feito desde que o primeiro africano aqui pôs os pés e viu-se obrigado a usar de toda a sua inteligência, seja na culinária, na religiosidade, na música, na dança e no imaginário, para conseguir sobreviver até os dias de hoje.
O que já passou da hora é do Estado e da sociedade brasileira adotarem políticas de valorização, de incentivo à comercialização, à difusão e à estruturalização da cultura brasileira a médio e longo prazo, sobretudo a cultura afro-brasileira.
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