quinta-feira, 12 de novembro de 2009

E agora, José?

A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José ? O poema de Carlos Drummond de Andrade reflete bem a situação do financiamento à cultura no final de um ano pré-eleitoral. Depois de todo o escarcéu em torno da revogação da Lei Rouanet, podemos reafirmar que tudo não passou mesmo de conversa para boi dormir.

Numa turnê digna do Cirque du Soleil, rica e cheia de cenários, piruetas, plumas e paetês, o MinC gastou os tubos com marketing, eventos, publicidade, diárias, hotéis e jantares. Tudo isso para divulgar um projeto que não existia, não existe e jamais existirá. O Profic é um engodo, algo feito para desviar a atenção daqueles que batalham pela sobrevivência artística e já não conseguem mais fazer as suas próprias turnês.

E agora, você ? Você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama protesta, e agora, José?

A matéria de Ana Paula Sousa na Folha de S.Paulo de hoje expõe aquilo que já sabíamos e há muito alertamos os leitores de Cultura e Mercado. Simplesmente o Profic não tem qualquer lastro jurídico, político, técnico. Está parado há 3 meses na Casa Civil. Assim como todos nós, a equipe técnica tem dificuldade de entender a que veio o Profic, além das surpresas que o MinC deixou para a última hora.

Por baixo do tapete do Planalto esconde-se o maior caso de inadimplência institucional que já tivemos notícia em toda a recente história do MinC. Projetos parados, sem avaliação, descuidados, extraviados, sujeitos a diligências surreais. Cada projeto leva de 6 meses a um ano para ser aprovado. O caos instaurado fará com que a captação em 2009 caia a níveis desesperadores. Estima-se que algo em torno de 50% a 60% do que foi o ano passado, já em queda.

Basta circular pelo mercado para saber que o álibi da crise econômica não cola. Já existe um mercado paralelo de aprovação de projetos genéricos, de troca de proponentes, de alteração de rumos de patrocínio, entre outras nobres práticas. Tudo isso para compensar a burrocracia insana do MinC, que resolveu fazer “justiça com as próprias mãos”. Há proponentes vetados, outros que levam canseira, outros sujeitos à legislação em vigor e há também os amigos do rei.

E agora, José ? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio - e agora ?

Por isso a Lei Rouanet anda malfalada nos corredores da Esplanada. Ela virou uma espécie de ex-namorada do governo, alguém que traiu expectativas, frustrou o sonho de artista. Aqueles que a utilizavam deixaram de ser vilões. São vítimas da impiedosa.

Parece mesmo haver uma conspiração para criminalizar aquela se dizia casta e donzela, mas estou certo que não há nenhuma tramóia por trás disso tudo. É incompetência mesmo, falta de compreensão daquilo que representa, na vida de quem faz arte e cultura, a única - prostituta, portanto, pois tem de servir a todos - política de financiamento à cultura do Brasil.

E pelo que tudo indica, assim será até o próximo mandato.

Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas,

Minas não há mais. José, e agora?

Sobre "Leonardo Brant " http://www.brant.com.br

Pesquisador e consultor de políticas culturais. Presidente da Brant Associados, autor do livro "O Poder da Cultura", entre outros.

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