Luisa Torreão, do A TARDE
Já não será mais preciso um banho de piche, como sugere os versos da emblemática canção Que bloco é esse?, para os brancos terem a chance de experimentar a negritude do Ilê Aiyê. Na quinta-feira do Carnaval de 2010, gente de pele clara, negra ou mestiça vai dividir as cordas no trio.
Primeiro bloco afro da Bahia, o Ilê anunciou, na última quarta-feira, a saída no circuito Barra-Ondina de um bloco alternativo plurirracial, o Eu Também Sou Ilê – que já havia desfilado em 1996. Onde chega, a notícia tem provocado rebuliço e divergentes opiniões. Para muita gente, trata-se de uma quebra na tradição de resistência negra da entidade de 35 anos.
É o que defende a foliã Maíra Azevedo, 28 anos, cinco de Avenida: “Isso é uma prova de como o capitalismo está dominando a sociedade. Eu compreendo a demanda do sistema, mas prefiro o Ilê histórico, que representa uma conquista do povo negro”. Ela diz ter receio de que o bloco afro seja reduzido de três para apenas um dia, tendo o espaço ocupado pelo alternativo.
O presidente da entidade, Vovô, garante que isso não irá ocorrer. “A tradição continua”, assegura. Segundo ele, é mais um produto do Ilê que serve de alternativa àqueles que tinham vontade de sair no bloco e não podiam. “Tem muita gente que vem de fora, muito gringo que gosta da nossa musicalidade, da batida, e quer participar”, alega.
Para o professor e antropólogo Roberto Albergaria, a intenção vai um pouco mais além: trata-se de um “factoide carnavalesco para gerar mídia e grana”. Segundo ele, o Carnaval baiano está definhando desde que teria se transformado em uma “caricatura ridícula de si mesmo”.
Albergaria não poupa críticas: “Do ponto de vista econômico, é uma excelente jogada de marketing. Já do ponto de vista cultural, é mais uma pataquada que o rendoso mercado do ‘black is business’ (negro é negócio) introduz num carnaval que já virou misto de circo e balcão de negócios, enriquecendo não só as velhas lideranças branco-mestiças, mas também os novos senhores negro-mestiços”.
Expectativa - Comércio à parte, há quem veja a proposta como boa alternativa para os que nunca puderam desfilar no Ilê. “Vai atender a uma expectativa de muita gente que sempre quis sair. Por esse lado, é válida a iniciativa”, argumenta a foliã afro há cinco anos Ângela Guimarães, 26.
Ângela lembra que o cenário soteropolitano era diferente quando o Ilê foi criado. “Era uma época que exigia aquela tomada de postura. Hoje, nossa cultura agrega as diversidades”, contemporiza. Mas, como tudo tem dois lados, ela adverte: “A gente tem o receio da descaracterização, de passar a ser um Carnaval mais pasteurizado do que já é”, argumenta.
Para o doutor em antropologia Vilson Caetano, o Ilê, já muito criticado pela mídia, está querendo mostrar que não é racista. “Isso pode servir de exemplo aos blocos de brancos, onde os negros estão ausentes. Inspirados nessa postura, eles podem começar a se abrir para os negros também”, aposta.
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