domingo, 24 de abril de 2011

Viagem ao mundo da Páscoa

As tradições onde coelho não entra
por Marisa Antunes
Falar de Páscoa é, invariavelmente, falar de ovos de chocolate, coelhos, liturgias, procissões, almoços em família e cordeiro. Ou não. Um pouco por todo o mundo, esta época festiva é palco de tradições ligeiramente diferentes daquelas a que estamos habituados: entre ofertas de refeições aos que já partiram, sinos voadores, batalhas de ovos, cartas anónimas, halloween fora de tempo e “espancamento” de mulheres; o limite, por vezes, é a riqueza das lendas que as sustentam. Paralelamente às celebrações religiosas, existe um mundo rico em tradições: que ainda são o que eram.

Contrariamente ao que possamos ser levados a pensar, o coelho não é um símbolo universal e inquestionável da Páscoa. Estes simpáticos animais não têm lugar na simbologia francesa, alusiva a esta festividade: aqui, os símbolos fortes são o peixe - chamado “Poisson d'Avril” (Peixe de Abril) e o sino. De acordo com a tradição, durante a Sexta-feira Santa, todos os sinos de França voam até ao Vaticano, em Roma. Esses “sinos voadores” regressam a França na manhã do domingo de Páscoa, trazendo com eles chocolates e ovos. Essa é a razão pela qual os sinos das igrejas francesas se calam desde a Sexta-feira Santa até à manhã do domingo de Páscoa.

Vistos como uma praga, por destruírem as colheitas, os coelhos também não são bem-vindos na iconografia pascal australiana. Em 1991, uma campanha anti-coelhos, promoveu a sua substituição pelo Bilby, um marsupial em vias de extinção, que passou a ser um dos principais símbolos desta época.

Na Bulgária, a tradição manda que se coma o “Kolache” ou “Kozunak”, pequenos pães semelhantes ao panetone, especialmente decorados com ovos vermelhos - sempre em número ímpar - incrustados. Os pães e ovos, abençoados aquando das liturgias, são oferecidos aos amigos da família que, por sua vez, mostram o seu reconhecimento, retribuindo com dinheiro. Os ovos são partidos, após a missa da meia-noite ou nos dias seguintes, sendo que o primeiro ovo a ser comido deve ser partido na parede da igreja. Após o almoço de Páscoa, ocorre o “Partir da boa sorte”, o aguardado partir dos ovos, em que cada pessoa escolhe um ovo e bate com ele contra o dos outros: aquele que ficar com o seu ovo inteiro, por último, terá um ano de sorte.

Em Berna, na Suiça, esta tradição é apelidada de "Eiertütscha" e leva crianças e adultos a reunirem-se, no domingo de Páscoa, na praça Kornhausplatz, para a “disputa dos ovos”. Ganha o detentor do ovo mais resistente.

Nos EUA, um dia antes da Quarta-feira de Cinzas, ocorre o famoso Festival Mardi Gras - expressão francesa para designar a “Terça-feira Gorda” - e, um pouco por todos o lado, desfiles, festas e bandas de jazz dão o tom à festa. Por ser considerada uma data auspiciosa, pelos americanos, o dia de Páscoa é, normalmente, uma data fértil em casamentos.

O mesmo não acontece na Suécia, onde casar e realizar baptizados na Páscoa é considerado inapropriado. As tradições pascais suecas, tal como as de outros países escandinavos, têm cor e sabor a Halloween norte-americano. Na Quinta-feira Santa, ou na véspera da Páscoa, as crianças suecas disfarçam-se de bruxos e visitam, secretamente, os seus vizinhos, deixando um cartão decorado - a "carta de Páscoa" - e esperando receber, em troca, um doce ou dinheiro. Esta tradição também reúne adeptos na Dinamarca. Mas há mais: neste país, os ovos cozidos, depois de terem sido decorados, são literalmente atirados por uma colina abaixo: vence aquele que conseguir que o seu ovo chegue mais longe.

Entre a panóplia de tradições pascais existentes em Itália, a mais espectacular é o “Scoppio del Carro”, que há mais de 300 anos existe em Florença: uma estrutura é arrastada pela cidade, fazendo-se depois explodir num impressionante espectáculo de fogo-de-artifício.

Muitos são os pontos do mundo que complementam o cariz mais solene das celebrações pascais com música e danças. Em algumas zonas de Inglaterra, por exemplo, é comum dançar-se a Dança Morris, no Domingo de Páscoa, para espantar os espíritos do inverno.

No Canadá, país onde existe o maior ovo de Páscoa do mundo – com 8,5 metros e 1 tonelada de peso -, o Carnaval de Inverno do Quebec é um dos pontos altos das celebrações da época.

Na Alemanha, a festa cristã sobrepôs-se à que se dedicava a Ostara, deusa da primavera. Entre fogueiras e festivais, no sul festeja-se a tradicional “Alemannische Fasnet”: a quinta estação do ano, como é conhecido o período que começa em 11 de Novembro e termina na Quarta-feira de Cinzas. O clímax da extravagante festa é o período que começa na "Schmutziger Donnerstag" (Quinta-feira Suja) e que vai até a Quarta-feira de Cinzas. Na Segunda-feira de Carnaval realizam-se os grandes desfiles: as pessoas fantasiam-se e vão para as ruas espantar o Inverno. Em algumas regiões, enfeitam-se árvores com ovos coloridos, símbolo de renovação. Ao contrário do Brasil, por exemplo, na Alemanha a Páscoa coincide com o início da primavera, o que reforça a simbologia do renascer da natureza, da vida e da esperança.

Noutras paragens, as tradições de Páscoa são sinónimo de produções cénicas e, em alguns casos: ”pancada”. No México, por exemplo, ao meio dia do Domingo de Páscoa, os bonecos que representam Judas - o apóstolo que traiu Jesus - são espancados, enforcados e queimados. Em algumas cidades, dita a imaginação mais doce que Judas seja representado por uma piñata - um jarro cheio de doces - que as crianças devem tentar partir, para comer os doces.

Na República Checa, a partir da meia-noite do Domingo de Páscoa, e durante vinte e quatro horas, é legalmente permitido “bater” nas mulheres, com bastões de madeira - os pomlazka. Os bastões são enfeitados com fitas coloridas e, a cada “espancamento”, a “vítima” deve pendurar uma nova fita no bastão do seu “torturador”. Além da fita, os homens recebem ovos previamente pintados, chocolates, sanduíches ou um cálice de alguma bebida caseira. Caso pretendam repetir o cálice, basta que chicoteiem a perna direita da jovem e, de seguida, a esquerda. Diz-se que os rapazes tentam ser o mais gentis possível no manuseio das suas pomlazkas, embora também haja registros de jovens mulheres que sentem bastante dificuldade em sentar-se, no dia a seguir às festividades.

Em algumas regiões da Roménia, na segunda-feira após a Páscoa, os rapazes, carregando baldes de água, vão de casa em casa procurar raparigas solteiras: se estas estiverem a dormir, eles atiram-lhes água. Acredita-se que, com isto, as raparigas casarão em breve. Em troca, elas oferecem-lhes belos ovos decorados ou o bolo tradicional da época, o “Pasca”.

Esta tradição também tem seguidores na Polónia: manda o “Dyngus”, ou “Smingus Dyngus”, que os rapazes molhem as raparigas com perfume ou água perfumada, perpetuando o simbolismo de purificação, que está associado à data. As mulheres húngaras têm a mesma “sorte” na segunda-feira de Páscoa: são molhadas pelos rapazes com perfume ou água perfumada, retribuindo a “bênção” com um beijo e um ovo vermelho.

Mais sóbrias e contidas são as comemorações na China onde, durante o "Ching-Ming", uma festividade que ocorre na mesma época da Páscoa, são visitados os túmulos dos familiares e feitas oferendas, em forma de refeições e doces, para deixá-los satisfeitos com os seus descendentes.

No Médio Oriente, a cerimónia do lava-pés é um dos pontos altos das comemorações: na Quinta-feira Santa, os padres convidam mendigos a entrar, lavam-lhes os pés e oferecem-lhes presentes, para lembrar o acto de Jesus Cristo.

Depois de conhecermos algumas destas tradições, poderemos ser tentados a pensar que comemorar a Páscoa apenas com recurso a inofensivos ovos de chocolate e inexpressivos coelhos clonados, poderá ser, no mínimo, falta de imaginação.

Sobre a autora: Marisa Antunes apaixona-se por tudo e pelos nadas e passa a vida a sonhar acordada. Tem uma assumida tentação pelo abismo e pelas quedas livres - sem rede - e acredita que tudo é possível.

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