A lomografia se pratica com uma pequena câmera de plástico e tem 10 mandamentos. O mais curioso deles é nunca pensar antes de apertar o clique da máquina fotográfica. Se o praticante obedecer a esse princípio, conseguirá produzir uma autêntica imagem Lomo. Para levar o selo, a foto nada pode ter de planejada ou montada. As cores não são perfeitas, o foco, muitas vezes, nem sequer existe e, se a composição parecer um mosaico, melhor ainda. A regra básica da lomografia é não seguir a nenhuma norma que serve de guia ao mundo formal da fotografia. Mania surgida no Leste Europeu(1) na década de 1980, a prática começa a ganhar adeptos em larga escala no Brasil. Se lá fora é muito popular, por aqui ainda fica restrita a um grupo pequeno de fotógrafos e amadores curiosos e corajosos. Para quem gosta de fazer experiências, é um mundo encantado.
Quando Janaína Miranda viu uma Holga (modelo clássico da marca Lomo) pela primeira vez, não resistiu. O aparelho pertencia a uma amiga e ela pediu emprestado. Para o trabalho comercial, Janaína usa câmera digital e analógica. Nas produções mais autorais, gosta de manipular filme e imagem, inverter negativos, estourar luzes. A Lomo virou um fetiche. “Gosto da imprevisibildade da coisa. A Lomo é uma grande surpresa. Você tem uma câmera de plástico, que vaza luz, é tudo errado”, brinca.
Produzida por uma fabricante austríaca de câmeras de plástico inspiradas em modelos toscos vendidos no leste da Europa em países do antigo bloco socialista, a Lomo tem pelo menos 20 modelos diferentes. A Holga é a clássica, mas há também a Diana, com direito a flash, a Pop 9, com nove minúsculas lentes de plástico, que repetem a mesma imagem em um único clique e uma olho de peixe capaz de resultados inusitados.
Em Brasília, há poucos lomógrafos. No entanto, eles foram suficientes para Humberto Lemos, fundador do Fotoclube f/508, decidir montar o primeiro ponto de venda das câmeras no Brasil. Comprou 56 exemplares de uma importadora carioca e vendeu 47. “A Lomo hoje é considerada uma estética e tem toda uma filosofia. O lomógrafo tem um perfil jovem e a estética flutua em torno de um certo descompromisso antes de fotografar. As cores são supersaturadas e os resultados, inesperados. Quando você fotografa em analógico, consegue prever o resultado. Com a Lomo não, é uma coisa muito espontânea”, explica Lemos.
Ser um lomógrafo é cult e significa pertencer a uma pequena tribo de descolados. Para Lemos, a moda funciona como uma maneira de defender a fotografia analógica entre o público jovem. Enquanto a tecnologia digital democratiza o acesso à fotografia, a Lomo recupera um certo romantismo da produção de imagens analógicas. A expectativa começa na total falta de controle desde o enquadramento — muitos desses aparelhos são tão toscos que nem sequer têm visor — e se estende à revelação de efeitos inesperados. “Você prolonga o prazer da fotografia, é uma delícia”, constata Humberto Lemos.
“Ela te pede que você não seja tradicional na forma de fotografar”, completa Rinaldo Morelli. O fotógrafo descobriu a Lomo fuçando na internet. Em 2004, comprou a primeira câmera, um modelo azul, de plástico, com uma sequência de quatro lentes que permitem o registro da mesma imagem. O desafio é conseguir que cada registro seja diferente. Depois, Morelli adquiriu um aparelho com quatro lentes dispostas em formato quadrado. “É antidigital”, brinca. “É bacana porque você desconstrói o ato rígido de fotografar. E como há uma desconstrução da tecnologia, há um preconceito de que não rende boas fotos. Não acho isso. O lowtech me encanta porque é mais desafiador.”
O fotojornalista Arthur Monteiro se encantou com a Lomo por causa de um defeito. Um problema nas lentes faz com que as imagens ganhem contornos pretos, o que Monteiro chama de vinhetagem. “Todas as Lomos acabam fazendo isso. Achei interessante, deu um ar especial à imagem. Infelizmente, o mercado aboliu de vez o analógico, mas para mim é o hobby da minha profissão. É uma coisa meio paranóica, mas também nostálgica.”
Distorções austríacas Tudo começou na antiga União Soviética. O governo queria produzir câmeras baratas, pequenas, simples e robustas. O objetivo era torná-las populares. Em visita a um país do bloco comunista, dois austríacos utilizaram o aparelho e ficaram encantados com as distorções provocadas pelas lentes de plástico e pelo eventual vazamento de luz. Fundaram então a Sociedade Lomográfica com o objetivo de reunir adeptos. A fábrica original fechou, mas a marca continuou nos aparelhos de uma fabricante austríaca que hoje exporta para o mundo todo. Do simples ao luxuoso A Lomo é conhecida pela produção de câmeras muito simples, de aspecto rude, sem muito design. A Diana chega a ser kitsch, com detalhes em cores vibrantes como rosa e amarelo. Mas a fabricante também investe em pequenos aparelhos de luxo, mais elaborados. É o caso da Lubiflex, uma cópia da Rolleiflex. Foi exatamente esse modelo que Emanuel Celestino resolveu comprar. “Quero ter essa experiência nova de conhecer essa câmera. A questão da imprevisibilidade me atrai. Tenho uma digital, mas os efeitos e as cores da Lomo são diferentes”, explica o servidor público, que pratica fotografia como hobby e ouviu falar da Lomo num curso no fotoclube.
Outro modelo mais luxuoso é a Pin Hole Zero. Fabricadas com número de série e tiragem limitada — não estão disponíveis para venda —, essas caixinhas de madeira com dispositivos dourados reproduzem o mais simples dos instrumentos utilizados para captar uma imagem. A Pin Hole é a versão sofisticada da lata de leite pintada de preto. “A gente gosta de uma linguagem diferenciada”, repara Humberto Lemos, dono de um dos exemplares mais cobiçados da Lomo.
A lomografia é um movimento com tantos adeptos que tem direito a comunidades na internet, especialmente nos sites de postagem de fotos. Em algumas páginas do Filckr, os praticantes explicam que a lomografia é uma filosofia na qual se privilegia o instante em detrimento do objeto. Na comunidade intitulada Lomo, um pedido fundamental orienta a postagem das fotos: “Por favor, nada de falsas Lomos ou Lomos digitais
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