domingo, 21 de novembro de 2010

O gesto criador

O corte profundo no sistema físico do planeta exige inovações como nunca. O funcionamento conectado e colaborativo do mundo dá as pistas do caminho: inspiração na ancestralidade e visão utópica ancorada em realidades locais
por Amália Safatle
Quem já não observou no próprio corpo a quase mágica cicatrização de um corte? A pele nova vai surgindo sobre a ferida e, tempos depois, a superfície está toda reconstituída.

“O gesto criador dorme em nós”, declarou, com uma simplicidade solene, a linguista francesa Hélène Trocmé-Fabre. Ela veio ao Brasil lançar o mais novo livro de sua autoria, Reinventar o Ofício de Aprender, e em aula magna na FGV-Eaesp, em outubro, dirigiu uma carta aberta à Universidade brasileira, falando sobre a urgência de inovar.

Na ocasião, Hélène estava se referindo à autopoiese, teoria desenvolvida pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, pela qual os sistemas se auto-organizam. Isso para concluir que o homem não nasce para morrer: ele nasce para inovar – uma frase emprestada de Hannah Arendt. Inovar está em nossa pele.

Assim, o corte dói, mas desperta o gesto criador das células. Cada uma delas sabe, autonomamente, o que fazer para reconstituir o todo. Da mesma forma, a crítica também dói, mas sem ela não há inovação, diz Ricardo Guimarães, sócio-diretor da Thymus Branding, referindo-se ao mundo corporativo.

Sob essa lente, Guimarães divide as empresas basicamente em duas: as que capturam valor, e as que criam o valor. Uma guia-se pelo mercado, pelas aspirações, pelas pesquisas, é acrítica e, portanto, conservadora. A outra, pela visão, pelas inspirações, é crítica e, portanto, inovadora. Entrega algo que nem sequer foi imaginado na sociedade.

Quem simplesmente busca atender a uma demanda identificada no mercado não inova, e, sim, perpetua modelos e fórmulas. “Fazer pesquisas para entender o que a maioria pensa e quer é reforçar paradigmas”, diz Cândido Azeredo, sócio da empresa Nódesign e integrante do Fórum de Inovação da FGV-Eaesp, composto de seis empresas parceiras.

Claro que isso não vale só para o setor privado. A política que o diga. Enquanto o senso comum dizia que sustentabilidade não dá voto, essa temática foi praticamente ignorada nas propostas dos candidatos majoritários, que se guiam pelas pesquisas. Mas uma terceira via programática inovou e ganhou 19 milhões de votos – número também turbinado pelo fator religioso. A partir daí, o que se viu na campanha do segundo turno foi um relativo e momentâneo esverdeamento do discurso político (mais em Análise, nesta edição), mas tarde demais.

Não por acaso, é na política, no Parlamento e nos governos que Marcelo Furtado, diretor-executivo do Greenpeace, vê um dos maiores desafios para inovação no Brasil. Até mesmo com o setor privado – em geral refratário a novidades, uma vez que busca maior lucro com menor risco – o Greenpeace construiu formatos inovadores de atuação. Mas ainda não conquistou o mesmo feito na esfera política (mais sobre ativismo abaixo).

Ativismo além do usual

Kumi Naidoo, diretor do Greenpeace Internacional, recentemente lançou uma provocação: não adianta superar só o business as usual, mas também o activism as usual. Assim, perguntamos ao Greenpeace Brasil: o que é inovação no ativismo? Para Marcelo Furtado, diretor-executivo da ONG, significa contribuir para uma visão ampla da sociedade, para criar o modelo do que será o País.

Daí o lançamento em outubro, às vésperas do segundo turno para eleições presidenciais, da campanha em prol de “um Brasil mais verde, limpo e justo”, falando diretamente ao governo que está para assumir, aos políticos e aos cidadãos. Tema que, segundo ele, estará no cerne do planejamento da entidade entre 2011 e 2013.

Furtado defende que os movimentos da sociedade civil participem mais ativamente da discussão sobre temas estratégicos, como o energético. Investir no pré-sal, por exemplo, definitivamente não é um caminho inovador, sabendo-se que não adianta extrair petróleo se em um breve futuro ele não poderá ser queimado, por conta das crescentes restrições às emissões de carbono.

Faz mais sentido, diz ele, o investimento em uma “Itaipu de vento”, que de forma horizontal permite uma série de conexões e oportunidades. “Vejo usinas eólicas descentralizadas conectadas com universidades e centros de pesquisas voltados para inovações tecnológicas em energia renovável. Estas, por sua vez, conectam-se a escolas do Ensino Fundamental e Médio, que formarão jovens para esse tipo de pesquisa, formando uma rede”, exemplifica.

Foi justamente explorando nas empresas o risco de perder reputação e mercados que se construiu uma inédita iniciativa, a Moratória da Soja. Por meio dessa experiência, o Greenpeace saiu do ativismo tradicional, limitado a denúncias encaminhadas ao Ministério Público, para um ativismo que expõe o problema ao mesmo tempo que se coloca como um dos agentes engajados na sua solução. Como uma parte da rede. “É algo bem mais sofisticado”, diz Furtado. Implica dialogar sem deixar de ser combativo, papel que cabe a uma ONG. Tal como a célula precisa integrar-se ao todo, mas sem perder a autonomia.

Inovar por quê?

Porque não foi um corte qualquer o do estrago deixado pela moderna civilização no corpo planetário.

O professor Humberto Mariotti, diretor de pesquisa e publicações da Business School São Paulo, toma meu bloquinho de anotações para nele desenhar uma figura quase rupestre, um mundo circular que abarcava pessoas, animais e plantas em um convívio equilibrado, no qual os humanos se viam como parte integrante de uma physis (Para os filósofos pré-socráticos, physis é a matéria que fundamenta todas as coisas e dá unidade e permanência ao Universo). É o período pré-socrático, do século VI a V antes de Cristo.

Mas, a partir de Sócrates, profundas mudanças acontecem. Animais e plantas continuam no mundo circular, entretanto as pessoas passam a se enxergar fora dele. O mundo físico torna-se um objeto, e o semelhante passa a ser o outro com o qual se deve competir na extração predatória de recursos.

O que se vê hoje? Uma tentativa de retorno ao mundo pré-socrático, com a crescente noção de interdependência e a horizontalidade permeada na ideia de rede. Para Mariotti, esse entendimento se acentuou muito com a revolução digital, a internet e as redes sociais. O problema é que estamos retornando a um território depredado, semidestruído, violento e superpopuloso, no qual é necessário ser extremamente criativo.

“Percebemos que o mundo não é apenas um objeto. E mais: percebemos que não é um objeto simples.” Nesse caso, o antônimo de simples não é complicado, mas, sim, complexo. Em latim, complexus significa “o que é tecido junto”. Aliás, o que é a nossa pele, se não um tecido?

Talvez por isso Eamonn Kelly, sócio da consultoria Monitor Group, tenha cunhado na sua obra Powerful Times: Rising to the challenge of our uncertain world a célebre sentença: não vivemos uma era de mudanças, e sim uma mudança de era.

Nessa mudança de época, Guimarães, da Thymus, vê duas pressões simultâneas sobre a dinâmica social e a forma como nos organizamos politicamente hoje, separados em Estados e com imensa dificuldade não só de chegar a acordos, como de colocá-los em prática – haja vista as penosas negociações no âmbito das Nações Unidas para questões globais como a climática. “A ONU é uma instituição datada”, opina.

Uma das pressões, segundo ele, é aquela exercida pelo sistema natural, cuja oferta de recursos não mais suporta a falta de um entendimento ambiental global sobre o uso sustentável do capital natural. A outra é do sistema cultural, com os abalos que o modelo mental da rede e a plataforma digital são capazes de provocar nas estruturas, por exemplo as hierárquicas. (mais sobre as redes abaixo).

O lado escuro da rede

Rede, definitivamente, é palavra-chave quando se fala de inovação. Mas é preciso cuidado com esse belo discurso, diz Gilson Schwartz, coordenador da Cidade do Conhecimento 2.0 – projeto criado na Universidade de São Paulo com a finalidade de promover a cidadania por meio da produção colaborativa de conteúdos digitais.

Schwartz cunhou o termo Iconomia para ressaltar que o principal ativo nos dias de hoje são os ícones: a informação e suas várias formas de expressão. Mas, na sociedade em que cada vez mais essa inteligência é operada digitalmente, as assimetrias sociais crescem de modo exponencial. Sem inclusão digital nem educação de qualidade para habilitar as pessoas a usar melhor as ferramentas para processar o conteúdo, o gap salta.

Assim, em vez de horizontalizar, a rede acabaria por verticalizar, aumentando a distância entre ricos e pobres no Brasil e entre países ricos e pobres no mundo – a começar pela falta do domínio da língua inglesa. Para Schwartz, o discurso da rede lembra o do liberalismo, quando se acreditou que o livre mercado seria uma forma de equalizar as desigualdades. “Em vez do ‘laissez-faire, laissez-passer’, estamos vivendo a ilusão do ‘laissez-faire, laissez-clicker”, diz.

Um dos efeitos da internet é a quebra da lógica da edição central da informação, avalia o professor Wilson Nobre, do Fórum de Inovação da FGV. “Desde o tempo dos escribas, a informação era centralizada. Mas a internet veio e rompeu com isso sem avisar ninguém.” Em vez de poucos emissores para uma massa de receptores, a rede – desde que democratizada e acessível – abre a possibilidade de transformar todos nós em receptores-emissores.

Assim, as pressões de um mundo em crise social e ambiental, acelerado pela nova dinâmica da comunicação, vêm imprimir velocidade a um processo contínuo de inovação que já ocorreria naturalmente, e é explicada pela teoria complexa. Mariotti, um dos principais estudiosos dessa teoria no Brasil, lança mão do exemplo da rede McDonald’s para ilustrar como se dá essa alternância entre ondas de ampliação e reducionismo, dinâmica que leva à inovação.

Alimentação é um sistema complexo, que envolve uma porção de variáveis. Mas o McDonald’s, inspirado no fordismo, inovou ao simplificar ao máximo o processo de produção e de atendimento ao cliente como uma linha de montagem. Chegou a um hamburger milimetricamente definido para garantir a máxima eficiência empresarial. Quando a rede ficou forte, globalizou-se. O hambúrguer perfeito quis conquistar o mundo. Mas, ao se globalizar, foi atingido por uma inevitável onda de complexidade. A diversidade cultural dos locais aonde chegou levou à contestação sobre os sabores e o próprio conceito de fast-food. Hoje, a empresa quebra a cabeça para se reinventar.

Em resposta a toda complexidade, é buscada uma simplificação. Um jornalista que faz dez entrevistas e colhe vasto material de suas fontes e pesquisas, busca isso ao escrever o lide da reportagem – início do texto no qual vai resumir a ideia principal. O lide certamente será contestado, pois é reducionista de uma realidade complexa, na qual há mais variáveis em jogo que não estão ali representadas. Com as contestações, instaura-se novamente a complexidade, em um processo contínuo de alternância e inovação.

Inovação esta que não se move apenas por resultados e tecnologias, como mostra uma historinha sobre os relógios de pulso. Quando o Seiko foi criado, abalou o mercado da relojoaria suíça, porque, além de marcar precisamente as horas, era fabricado em massa e tornou-se acessível ao consumidor. Perfeito. O que mais poderia superar o Seiko?

O empresário Nicolas Hayek fez essa pergunta. Inventou um relógio que também marcava precisamente as horas, era fabricado em massa e acessível. Mas, além disso, era fashion, divertido e colecionável. Explorava a estética, as emoções. Levava em conta o comportamento humano. Assim foi criado o relógio Swatch.

O professor Mariotti conta essa história para argumentar que resultados, técnicas, conceitos, e filosofia, são, nesta ordem, os degraus do que chama de Escada do Conhecimento, e concluir que nosso problema de inovação não está na tecnologia e, sim, na filosofia.

Quem inova?

“Só as pessoas”, responde Wilson Nobre. “Mas nas empresas tradicionais elas são vistas como apenas um dos quatro ‘emes’: mão de obra, máquinas, matéria-prima e método”.

Sozinhas, entretanto, não fazem verão. Segundo Nobre, a inovação nas empresas só acontece dentro de uma cultura favorável a ela, que se manifesta e transpira em seus signos, suas formas, seu ecossistema.

Nos ambientes naturais, por exemplo, as inovações biológicas surgem nas florestas ou nos corais, onde diversas espécies se encontram, exemplifica Steven Johnson, autor do livro Were Good Ideas Come From: The natural history of innovation (ou De onde vêm as boas ideias: A história natural da inovação), lançado recentemente.

Johnson propôs-se a investigar os ambientes onde as ideias nascem, os lugares propícios à inovação. E eles vão desde as elementares sinapses nervosas em nossos cérebros, até as coffee shops, passando por espaços de trabalho como The Hub, em que pessoas das mais diversas áreas do conhecimento se encontram de forma casual e aleatória.

“As verdadeiras inovações estão partindo de coletivos e muito pouco nas empresas”, identifica Tamara Azevedo, fundadora da consultoria CoCriar Inovação Organizacional e Sustentabilidade (mais sobre o tema, abaixo). Tamara, ao lado do sócio Thomas Ufer, especializou-se em oferecer oportunidades de imersão Utilizando-se do que chama de conversas de qualidade.

Inovação S.A.

Cerca de meia dúzia de grandes empresas realmente inovadoras no mundo: é a conta que Humberto Mariotti, da Business School São Paulo, faz ao listar alguns nomes, entre os quais Google, Linux, Natura, Apple e a enciclopédia colaborativa Wikipedia. Em entrevista desta edição, a Nike também revela uma série de características voltadas para a inovação.

“A empresa inovadora é aquela que, tenha o desafio que tiver, vai responder a ele de forma inédita. Toda a sua cultura, sua liderança e sua política de remuneração e estímulo são voltadas para a inovação”, resume o professor Wilson Nobre, da FGV.

Para Ricardo Guimarães, da Thymus, entre nomes que despontam na direção da inovação para a sustentabilidade está o da Vivo, que tem promovido processos colaborativos nos mais diversos níveis hierárquicos e inovado na forma de participação e engajamento.

A empresa desenvolveu um projeto de conectividade junto a populações ribeirinhas da Amazônia, no município de Belterra, Oeste do Pará, com resultados interessantes – como conta o presidente Roberto Lima em entrevista por email.

Por meio dessa atividade, denominada “arte de anfitriar”, o intuito é reduzir o gap entre o discurso e a prática. As empresas – a maioria dos clientes da CoCriar – entendem a importância das redes e da inteligência coletiva, mas têm imensa dificuldade em mudar o modo de operar o dia a dia. Isso porque a formação pessoal e educacional das gerações passadas foi orientada para competir, e não fazer trocas, sob a ideia de que guardar informação é acumular poder.

Já na nova geração, há uma turma que se recusa a buscar trabalho em empresas que operam sob modelos mentais ultrapassados. Esse pessoal está tentando construir coisas novas, ainda que o caminho seja mais acidentado. “Ter um emprego, casa, carro, filho, isso é fácil. O desafio maior é buscar outro jeito de estar de mundo”, diz Tamara (mais na reportagem Onde está o gosto da maçã, nesta edição).

“O que essa moçada está vivendo não é um drop out, e sim um walk out”, observa Ufer. Ou seja, não estão sendo jogadas para fora: estão deliberadamente buscando outros rumos. Ou as empresas de hoje inovam, ou perdem esse novo e rico tecido humano.

Inovar como?

Conectando-se. Seja com o modelo mental das redes – o que pressupõe parcerias, cooperação, comunicação transparente e colaborativa, horizontalidade, descentralização –, seja com o sentido humano que o trabalho tem para a vida de cada um.

A Teoria U, que propõe ao indivíduo um período de imersão e mergulho profundo para uma volta ativa e criativa, é dessas frentes de inovação no meio empresarial, exemplifica Nobre. Foi desenvolvida por Otto Scharmer, professor do Massachusetts Institute of Techonology (MIT), como resultado de entrevistas realizadas com dezenas de líderes das mais diversas áreas, justamente com o intuito de entender melhor as inovações do século XXI e as soluções para problemas complexos.

Outro exemplo de ferramenta é a Investigação Apreciativa, desenvolvida por Ronald Fry e David Cooperrider, da Case University, que busca identificar o que as pessoas têm de melhor para oferecer e, como ponto de partida nesses pontos positivos, fazê-las sonhar o futuro, desenhá-lo e implantá-lo.

Sim, são noções que soam mais óbvias do que propriamente inovadoras. Tendemos a imaginar o futuro como algo sofisticado e escalafobético, mas ele muitas vezes é apenas um velho conhecido.

Hoje se consideram como empresas inovadoras as que promovemo diálogo e dão oportunidade para que todos tenham voz e vez, e passam a fazer reuniões em círculo. Mas a primeira forma de reunião e socialização humana, dizem Tamara e Ufer, da CoCriar, deu-se em uma roda em volta do fogo, na préhistória. São inovadoras as empresas nas quais o funcionário vê sentido no que faz, mas a conexão das pessoas com o todo (a physis) já existia no período pré-socrático. Serão altamente inovadoras as empresas que conseguirem zerar sua pegada ecológica, enquanto, em priscas eras, a atividade humana não gerava pegada alguma.

Boa parte da inovação, portanto, estaria nessa reconexão com a ancestralidade – com a diferença de que agora somos quase 7 bilhões de pessoas vivendo em um planeta semidestruído, como disse Mariotti.

Em História das Utopias (Ed. Antígona), obra publicada em 1922, o urbanista Lewis Mumford escreveu que, “ao superestimar a quantidade e o valor das mutações criativas que ocorrem em cada geração, subestima-se a importância dos depósitos residuais e persistentes deixados por todas as gerações anteriores”. Ou seja, tem muito futuro a ser inspirado no passado. E talvez nas coisas mais singelas.

Para desenvolver um cabide que pudesse maximizar o espaço na lavanderia, a turma do Nódesign arregaçou as mangas e foi lavar roupa. Simples assim. Daí foi criado o cabide Quará, dotado de um pregador para o varal. “Para inovar, é preciso que o corpo esteja no local, a fim de perceber, sentir, ter a empatia”, diz Cândido Azeredo. Isso vale para tudo: produtos, processos, serviços, sistemas.

O que se chama hoje de design thinking, segundo Azeredo, já existe há muito tempo, desde a Grécia, e ao longo da história coleciona expoentes bem conhecidos, como Isaac Newton e Leonardo da Vinci.

A novidade, diz Wilson Nobre, é que há um crescente interesse por parte de empresas em adotar esse modelo mental. Isso porque, segundo ele, os designers possuem uma capacidade de lidar com o desconhecido (o seu papel é projetar algo não existente), que falta, por exemplo, aos engenheiros. Estes, normalmente, recorrem a soluções já prontas.

Azeredo explica que, em vez de ouvir o que a maioria pensa e, assim, reforçar paradigmas, o designer procura ouvir as “pontas” – escolas com propostas diferenciadas, como a Team Academy, ou, simplesmente, não ouve as escolas. Busca a cultura transmitida oralmente, o conhecimento nas zonas rurais. “Na cultura popular encontramos muitas características de design thinking. E entre as crianças também. Eu diria que a educação formal tradicional é que as deforma”, afirma.

O elemento local que está nessas pontas citadas por Azeredo parece dar concretude às utopias, que surgem como forças inspiradoras. Sem inspiração, não há inovação. No prefácio de História das Utopias, Mumford ressalta que o pensador inglês Thomas More, ao escrever Utopia, explicou que, em grego, a palavra podia dizer o “não lugar” (outopia), mas também o bom lugar (eutopia). Fantástico: um lugar que não só existe, como ainda pode ser bom!

“As utopias foram distanciadas do lugar. Mas o (Grupo Cultural) AfroReggae é exemplo do resultado concreto de trabalhar com a utopia a partir de uma realidade local”, diz Guimarães, da Thymus. A ONG foi criada em 1993 no Rio de Janeiro para transformar a realidade de jovens moradores de favelas, utilizando a educação, a arte e a cultura como instrumentos de inserção social.

O que vem por aí?

Claro que as respostas são múltiplas.

Para uma linha de estudiosos, estamos no limiar da passagem da chamada era pluralista para a era integral. O pensamento integral foi desenvolvido pelo norte-americano Ken Wilber, considerado um dos maiores filósofos da atualidade, mas dizem que ainda pouco compreendido no seu tempo. Sua obra concentra-se basicamente na integração de todas as áreas do conhecimento: ciência, filosofia, arte, ética e espiritualidade.

“A sua proposta fundamental é conhecer o ser humano e criar o mapa de como funcionamos. Entender nosso sistema operacional e ver como ele está defasado ante os problemas da humanidade”, resume Ari Raynsford, principal estudioso do pensamento de Ken Wilber no Brasil.

Trata-se de uma teoria relativamente nova, que começou a ter aplicação em 2005, quando foi criado o primeiro departamento de estudos integrais na John Kennedy University. No Brasil, segundo Raynsford, a Natura é a primeira empresa a se interessar pelo tema.

Foi com base no Modelo de Wilber que três estudiosos (Clare Graves, Mark Dombeck e Chris Cowan) desenvolveram a chamada espiral do desenvolvimento, formada por sete níveis, que se aplicam tanto ao indivíduo, da infância à maturidade, como ao coletivo. Grosso modo, são eles: o arcaico (voltado totalmente para a sobrevivência, como vivem os bebês), o mágico, o egocêntrico (quando a criança começa a formar a personalidade), o mítico (na História, corresponde à Idade Média), o racional (Iluminismo), o pluralista e o integral.

Segundo os três pesquisadores, cerca de 70% da população mundial ainda vive nos níveis pré-racionais, embora estejamos na era pluralista, que combina ideais elevados – como a busca da proteção ambiental e da justiça social –, mas de modo egocêntrico, acreditando que a criação da realidade é uma obra nossa, que nós é que podemos salvar o mundo e ainda somos capazes de criar o futuro. Até que ponto seríamos mesmo?

Uma iniciativa interessante nessa linha é o movimento Crie Futuros, lançado em 2008 pela especialista em economia criativa Lala Dehenzelin. O criefuturos.com é uma plataforma wiki, ou seja, colaborativa, destinada a “inseminar e disseminar futuros desejáveis”.

Cada um desses seis primeiros níveis tem como característica a convicção de que os seus valores é que são os corretos. “Nesse caso, não há muito diálogo: ou vou te convencer, ou vou me incluir”, diz Raynsford. A diferença do sétimo nível é reconhecer que todos os seis anteriores têm suas funções e importância, que não existe um melhor que o outro, e todos devem ser mantidos sadios, pois podem desenvolver patologias. E também reconhecer que, depois da visão integral, outras deverão surgir.

Raynsford acredita que a visão integral propiciará uma linguagem comum para que o mundo todo possa se entender, ciente de que é impossível julgar o que é melhor ou pior, o que é mais ou menos evoluído. Como ele exemplifica, a molécula não é melhor que a célula, porque sem a célula a molécula não existe. Da mesma forma, a nossa pele não existe sem as células, a gente não existe sem a pele, a inovação não existe sem a gente, e assim por diante, em contínuos gestos criadores.

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