quinta-feira, 18 de março de 2010

Conferindo os conformes da cultura

foto: Fred Furtado
Fred Furtado
A cultura e sua múltipla camada setorial, que sempre foi a “prima pobre” no campo dos investimentos e políticas, vem colorindo a vida nacional com democracia aplicada a projetos estruturadores, ganhando atenção e gerando demanda, reunindo artistas, gestores e pesquisadores, ampliando o debate e sedimentando um caminho que passa por uma fase de encantamento e crítica no Brasil.

O desenvolvimento pouco amparado por um Ministério que, apesar de completar 25 anos, ainda é pequeno e com pouco fôlego para operar o que propõe se confronta com a recente abertura para os anseios dos agentes culturais brasileiros.

O Ministério da Cultura realizou entre 11 e 14 de março sua II Conferência Nacional de Cultura, no Centro de Convenções Brasil 21, em Brasília. Passando pelo auge do alinhamento político da diversidade e o pluralismo cultural como máximas e traço identitário brasileiro, o evento dá sequência à primeira Conferência, realizada em 2005.

Quais razões nos levam a uma conferência de cultura? Simples, responde o morador ribeirinho. A gente vai pra conferência conferir se está tudo nos conformes. A genialidade do cidadão está em abstrair o óbvio do que se pretende com uma conferência. Além de averiguar a conformidade da situação, o espaço é um amplo salão de debates e articulações políticas, negociação de serviços e projetos.

A cerimônia de abertura foi de fato uma grande festa. Antônio Nóbrega, o multi artista pernambucano, apresentou o momento mais emocionante da conferência, a “cerimônia de abertura”. Em discurso acalourado, preparou a noite para os discursos seguintes, entre eles, o do Ministro de Cultura Juca Ferreira, o do artista do hip-hop Gog (membro do Conselho Nacional de Cultura), o da Ministra Dilma Roussef (única ministra a discursar entre alguns demais presentes) e o do Presidente Lula.

Deixando o palco para outros artistas como Chico Cesar, Maurício Tizumba, bailarinos circenses apresentando número vertical em tecidos sobre a platéia, e Mônica Salmaso ao final.

Para uma leitura primeira, com pouca atenção, a II Conferência não trouxe tamanhas novidades ou propostas diferenciadas. O MinC demonstrou o crescimento da abordagem democrática do processo, ao conseguir adesão de mais que o dobro de municípios que participaram da primeira conferência. Passados cinco anos, é preciso conferir se está tudo nos conformes, já que após atravessar dois mandatos, duas conferências foram feitas e um intervalo longo aconteceu deixando muita coisa perdida na memória.

Estando em ano eleitoral, ficou conveniente arrematar as discussões antes das campanhas, com lançamento de diversos editais e fortalecimento do Programa Cultura Viva. Lembrando que entre 25 e 31 de março acontece em Fortaleza o TEIA 2010 – encontro nacional de Pontos de Cultura, o programa carro chefe do MinC.

Reunidos todos os estados da federação, alguns detalhes nos saltam à observação. O nordeste e norte do país trazem o maior número de exposições artísticas. Assim como a Rádio Nossa Casa, vinda da Amazônia, funcionando com barraca e megafone em tempo integral durante o evento. O que parecia uma forma de não participação no encontro se tornou uma ação que mobilizou e pescou depoimentos desde Juca Ferreira (Ministro da Cultura) e Célio Turino (Secretário de Cidadania Cultural), incluindo os diversos artistas e delegados presentes. E mais, mobilizou tanta gente que garantiu aprovação de proposta para o “custo amazônico”, uma política orçamentária diferenciada levando em conta as complicações geográficas do estado. Diversas apresentações artísticas brindaram a plenária final, de danças populares como o Carimbó a poetas recitando sua arte.

Permeando todas as falas estava o sucesso dos Pontos de Cultura e os vários brasis revelados, o processo democrático de construção do Sistema e do Plano Nacional de Cultura, a aprovação da PEC 150, a cultura sendo entendida e aplicada como eixo de desenvolvimento estratégico do país.

O conteúdo, somado ao discurso-show-de-comédia do presidente, convenceu a classe que há algumas décadas aguarda o espaço para reivindicar, pleitear e propor. Sobra ainda a lacuna dos espaços entre as discussões e a efetivação das propostas prioritárias. O caminho, apesar de lento, tem ganhado proporções de estrada. Necessita agora de pavimentação para que o fluxo siga contínuo.

Precisamos da constância sugerida de conferências a cada dois anos, sedimentação do Sistema Nacional de Cultura, adesão de estados e municípios, profissionalização do setor, revisão de leis como a do direito autoral e tributária para a classe envolvida na economia da cultura e o principal, transversalidade política na cultura. A cultura como eixo transversal de desenvolvimento, inserida nos demais ministérios e setores do poder público, em sintonia com a sociedade civil.

O ciclo de conferências foi até agora também um grande divã, onde muito precisou ser dito, mais que escutado. O processo abarca esta carência, mas precisa desenvolver a sistematização necessária para o setor se entender enquanto classe prioritária para seu próprio desenvolvimento e capaz de alavancar um desenvolvimento coerente dos vários setores nacionais a partir da cultura como amálgama.

O final da II Conferência Nacional de Cultura é o início de um longo caminho. Há muito que fazer nos próximos dois anos, até a próxima Conferência, levando-se em conta as eleições governamentais como fator que pode abalar o trabalho já feito. Nossa missão é e continuará sendo, mais que nunca, conferir se tudo está e estará nos devidos conformes.

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