sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Salve Santa Bárbara, Eparrei Iansã!

Foto: Xando Pereira|AG. A TARDE.

O Largo do Pelourinho durante a missa em louvor a Santa Bárbara hoje. Em seguida teve procissão e distribuição de caruru.

por Cleidiana Ramos

Salvador começou hoje o seu calendário das chamadas festas do verão a partir de uma celebração de inspiração religiosa: o dia de louvores a Bárbara, santa católica, mas que o encontro entre candomblé e catolicismo fez também ser data de lembrar de Oyá-Iansã do candomblé ketu ou Bamburucema do Angola.

Sempre considerei essa associação religiosa uma das mais interessantes entre as muitas que existem. Isto porque a descrição da católica Bárbara é a de uma virgem que passou parte da vida trancada em uma torre pelo pai por conta da sua beleza.

Já passividade não é uma característica de Iansã. Pelo contrário, a divindade é conhecida pelo dinamismo. Não é à toa que tem sob o seu poder o fogo, os raios e os ventos.

Mas eis que vejo lá na história de Santa Bárbara também o exemplo de uma vontade de ferro o que é sinônimo de força. Cristã, preferiu perder a cabeça decepada por uma espada a se curvar à vontade do pai de vê-la casada e deixar a sua fé.

Conta a tradição católica que logo após a morte da jovem um raio fulminou o pai que havia feito a denúncia sobre a crença da filha em uma época que o cristianismo era proibido. Assim lá está a Justiça, uma característica também muito forte de Iansã.

Aliás, os mitos que a cercam são tão fascinantes como seu arquétipo de feminilidade indomável, guerreira e que briga por tudo o que quer e por todos que protege.

Que bela a história em que ela aparece como uma espécie de Prometeu de saias ao desafiar o poder de Xangô e engolir o fogo que ele lhe mandou trazer em uma caixa lacrada.

Daí que, segundo o doutor em antropologia, Vilson Caetano, especializado em culinária afro-brasileira e candomblé, está explicada a sua predileção pelo akará, mais conhecido como acarajé, que só está no ponto certo quando fica da cor do fogo. Iansã é o título que se dá a Oyá, afinal ela consegue percorrer as nove dimensões que os iorubás acreditam formar o universo.

Lembro que uma certa feita ao entrevistar Ebomi Nice da Casa Branca, consagrada a Oyá, perguntei-lhe como ela definiria alguém que é filho desta divindade e ela me deu uma resposta que uniu religiosidade e poesia: “Os filhos de Oyá são como o brilho do raio quando ele desponta no céu”. Para mim é uma definição que une beleza, mas também força, qualidade que fez o culto a Iansã resistir a todas as perseguições e também o de Santa Bárbara que sobreviveu à sua retirada do calendário litúrgico católico oficial.

Mesmo com sua festa tornada opcional, Santa Bárbara e também Iansã encheram hoje, pedindo licença a Oxalá, as ruas da capital baiana de vermelho e branco. Seus devotos também não ficaram sem o seu tradiconal caruru e claro acarajé. Assim, salve Santa Bárbara, e Eparrei, Oyá-Iansã.

Publicado originalmente pelo blog Mundo Afro

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