quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Arte e negligência

por Aninha Franco
Um artista pode integrar qualquer uma das infinitas capacidades humanas de criar porque arte é o vocábulo inventado pelos gregos para a significância do fazer bem.

São artistas os chefs da arte culinária, fazer expressivo porque agrada os cinco sentidos e o estômago, único órgão rebelde e revolucionário do corpo humano. São artistas os arquitetos que personalizam o nosso habitat, e os cirurgiões que reparam os poucos erros da Mãe Natureza. É artista o marceneiro que executa primorosamente a peça desenhada pelo artista design. E a costureira que finaliza o desenho do estilista. Meu mestre Raul Chaves dizia, em sala de aula, que os estelionatários eram os artistas da criminalidade demonstrando que a arte permeia todas, sem exceções, as atividades humanas.

Nelas, há os artistas castiços, raros, poucos, capazes de transmutar o estado gasoso das idéias em estado sólido para desfrute grupal e, às vezes, duradouro. Aconteceu (uns dizem que não) o bombardeio em Guernica noticiado e historiado por mortes e bombas. Picasso criou Guernica. Homero, a Ilíada da guerra de Tróia que alguns dizem que nunca existiu. Camões, os Lusíadas das navegações portuguesas que resultaram no Brasil, país irreal que pode ser ficção, assim como nós. Garcia Márquez compendiou a América Latina em Cem Anos de Solidão. Euclides da Cunha tornou vitoriosos os derrotados de Canudos n´Os sertões. Uma história política do País está sendo escrita pelas charges de Cau Gomez, Simanca, Gentil, Angeli, Chico que des(d)enham o Poder com humor. E não querem comprar. Chico Buarque sugeriu, nos anos 70 que, se alguém gritasse à porta, de surpresa, na calada da noite, era mais seguro chamar o ladrão e explicou a ditadura.

As cidades e as suas casas, e as suas ruas e as histórias que contamos para saber quem somos e os seus costumes e as suas gentes são escritos, cantados, modulados, retratados, esculpidos, pintados, pichados, dramatizados, interpretados, esquadrinhados em HQ e filmados por artistas. O Brasil, por ignorância, por negligência, por concupiscência sempre maltratou os seus. Poucas vezes como agora.

Sobre Aninha Franco: Dramaturga, escritora e gestora cultural, Aninha Franco é cronista cultural, em Salvador (BA).

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