sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Plantas e superstições
05/11/2009
Plantas que dão proteção são famosas na CDD

Que tal duas plantas que dão pouco trabalho na hora de cuidar e ainda por cima espantam olho gordo e inveja? Segundo a crença nas favelas do Rio combine em um vaso essas duas: "Espada de São Jorge" e "Comigo Ninguém Pode". Além de enfeitar o ambiente, elas têm o poder de proporcionar proteção, segundo os mais velhos, e pessoas ligadas às crenças afro-brasileiras.

A Sansevieria trifasciata ou "Espada de São Jorge" é uma planta de origem africana e já foi odiada pelos escravos na época do Brasil colonial, porque ela servia como chicote para os castigos corporais. As suas principais características são: a resistência ao frio e calor e dispensa o uso de produtos de fertilização.

Já a Dieffenbachia picta Schott ou "Comigo ninguém pode" tem o poder de quebrar energias negativas e traz prosperidade para o ambiente, segundo a crença popular. Alguns dizem que ela espanta maus espíritos e que seu uso, em conjunto com a "Espada de São Jorge", também quebra feitiços com suas folhas vistosas e pigmentadas. Mas é bom ter cuidado ao manuseá-la, principalmente em casas onde tenham crianças, pois segundo alerta da Sociedade Brasileira de Dermatologia, o Oxalato de Cálcio substância branca e viscosa (látex) encontrada na planta pode causar, se ingerido, edema na garganta levando a asfixia e em alguns casos até a morte.

Nas favelas do Rio, como na Cidade de Deus, essas plantas são muito populares. Alguns moradores cultivam nas portas de suas casas em vasos de plásticos, latas de ferro ou até mesmo em canteiros especialmente criados para elas, já que o mais importante é colocá-las na frente de casa.

Cenilton aprendeu com a avó
Na localidade do Pantanal 2, Cenilton Vicente da Cruz, 62 anos, aposentado e comerciante, cultiva há dez anos as duas espécies. "Um amigo meu, depois que ficou sabendo que eu iria abrir um minimercado, falou para colocar as plantas na porta de entrada para espantar os olhos gordos e os vizinhos seca pimenteiras", conta.

Neto de Dona Geraldina, que era rezadeira e parteira, Cenilton lembra do tempo que a avó cultivava as plantas em seu quintal. "Foi aí que tive o primeiro contato com essas espécies, porque minha avó rezava crianças e adultos".

O vaso improvisado de lata à direita da entrada do seu comércio não chama muito atenção, mas quem conhece o papel delas entende muito bem o que Cenilton quer. "Trabalhar na favela não é fácil e ter comércio é mais difícil ainda", afirma o comerciante.

Cenilton vê nas plantas a saída quando uma situação está complicada, por isso cuida muito bem da "Espada de São Jorge" e da "Comigo ninguém pode". Semanalmente rega as plantas, poda as folhas velhas e amareladas e observa se a lata suporta a raiz.

Cenilton não esconde a sua paixão pelas plantas supersticiosas, mas confessa que em casa não pode cultivá-las porque a esposa, Amália, e a filha, Elaine, são evangélicas e não encaram com bons olhos as famosas plantas.

Já Delmir Costa de Souza, 33 anos, ganhou de uma vizinha a "Comigo ninguém pode" e acredita que a planta absorve toda as energias negativas ao redor da casa: "Essa vizinha disse que todo o mal é absorvido e acaba se refletindo nas folhas que ficam danificadas chegando até a rasgar", afirma Delmir.

Mãe Beth usa "Espada de São Jorge" nos cultos

A Mãe de Santo Elizabeth Marinho dos Santos, 40 anos, ou mãe Beth como é conhecida na comunidade, é praticante do Candomblé há 27 anos e aos nove aprendeu com sua mãe sobre a cultura de plantas medicinais.

"A crença nessas plantas são baseadas nas lendas da mitologia dos Orixás. A planta mais utilizada nos cultos é a famosa "Espada de São Jorge", explica.
Não é somente os adultos que acreditam nos poderes mágicos das plantas. O adolescente Kaique dos Santos Gomes, 16 anos, crê na proteção das plantas. O jovem, que é adepto da Umbanda, diz que algumas plantas são usadas para fazer uma limpeza espiritual: "Acredito muito na crença das plantas, porque é algo que atravessa gerações", diz Kaique.
Jamil comercializa plantas medicinais

O comerciante de produtos religiosos Jamil Barbosa Filho, 25 anos, atua na beira da Avenida Edgard Werneck há três anos, mas desde abril montou uma banca com caixotes de feira livre para comercializar todo tipo de planta medicinal: cana do brejo (indicada para doenças dos rins e diabetes) e cavalinha (indicada para quem quer emagrecer).

Seus principais fornecedores, chamados “erveiros”, abastecem seu estoque toda semana. Segundo ele, as mais procuradas são: "Abre Caminho", "Alevante", "Espada de São Jorge" e "Comigo ninguém pode". Seus principais clientes são pessoas ligadas às religiões africanas que compram para fins religiosos.

"Muitas pessoas discriminam a forma de cultivar essas plantas, pois têm preconceito e acham que elas são usadas exclusivamente pelas religiões africanas. Muitas pessoas desconhecem que há muitos estudos mostrando o uso medicinal de algumas plantas", argumenta.

* Michel Fernandes é aluno da Oficina Multimídia oferecida pelo Viva Favela e correspondente da Cidade de Deus.

Fonte: Viva Favela

Nenhum comentário: