Alunos de baixa renda, geralmente os primeiros da família a chegar à universidade, mudam a cara do ensino superior
Carolina Stanisci, Elida Oliveira e Paulo Saldaña, especial para o
Estadão.edu -
SÃO PAULO - Eles estão mudando a cara do ensino superior no País. Os chamados universitários da classe C trabalham para pagar os estudos e demoram anos para iniciar o curso depois de concluir o ensino médio. Mas isso não importa: batalhadores, valorizam o fato de terem chegado à
universidade – até porque, geralmente são os primeiros de sua família a conseguir isso.
Dos 5,9 milhões de estudantes de graduação no País, 31,4% têm renda familiar entre 1 e 5 salários mínimos. O número quase dobrou desde 2002, quando o percentual era de 16,2%. Isso tem ocorrido graças a iniciativas oficiais, como políticas de cotas e o Programa Universidade para Todos (ProUni), mas também por causa de universidades que apostam nesse público, cobrando mensalidades baixas – que podem chegar a R$ 180.
O novo universitário brasileiro chamou a atenção da opinião pública na esteira do caso de Geisy Arruda, aluna de Turismo que virou celebridade após ter sido hostilizada, em 22 de outubro, pelos colegas do campus da Uniban em São Bernardo, ABC, por conta de seu vestido curto. O episódio provocou debates sobre os prós e contras da popularização do ensino superior. Para saber quem são esses estudantes, o Estadão.edu fez uma enquete em quatro universidades (Uniban, Estácio UniRadial, Uninove e Unip) e conversou com especialistas em pesquisa com universitários.
A consultoria Hoper, por exemplo, traçou um panorama do setor privado este ano tendo como base 378 instituições do País. Concluiu que, em 2012, os alunos das classes C e D serão a maioria nas universidades pagas, desbancando as classes A e B. Entre 2004 e 2008, a participação da classe C cresceu 53% e a da D, 95,3%. “Em 1996, com a entrada em vigor da Lei de Diretrizes e Bases, ficou menos burocrático criar curso universitário. E as classes C e D começaram a se inserir”, afirma Ryon Braga, presidente da Hoper.
Por trás dessas estatísticas estão universitários como Israel da Luz Barbosa Gomes, de 20 anos, um dos 419 mil bolsistas do ProUni. Israel cursa o 5º semestre de Engenharia Elétrica na Estácio UniRadial, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo. Caçula de cinco filhos, tem pais semianalfabetos. A mãe veio para a capital paulista do Paraná, para trabalhar como empregada doméstica quando tinha 15 anos. O pai, mineiro, sofre de hanseníase, e teve as pernas amputadas por causa do diabetes. Ex-operário, vive de bicos.“Foi por falta de oportunidade que meus irmãos não estudaram”, diz Israel, que sempre fez escola pública e trabalha como estagiário num banco. “Posso sair da UniRadial e não trabalhar com engenharia. Mas estarei feliz de ter cursado a universidade.”
“Enquanto o retorno esperado do universitário das classes A e B é ‘ter mais do que os meus pais me deram’, o da classe C é ‘ter o que os meus pais não tiveram”, afirma Paulo Seixas, da agência de pesquisa e marketing Namosca, que acabou de concluir estudo comparativo entre estudantes das classes A, B e C.
Como em geral vem de escolas públicas, essa turma de universitários pioneiros se impressiona com a infraestrutura. Em especial nas faculdades pagas, que investem em quadras e grandes espaços de convivência. “A infra nessas escolas do tipo ‘Uni’ é muito boa, chama a atenção”, diz Caio Romano, da agência de publicidade Mundo Universitário. Quando fala em “Unis”, Romano se refere a universidades que apostaram nesse público das classes C e D, como Estácio, Unip,Uniban e Uninove. “Em geral, elas conhecem bem seu público.”
Com 200 mil estudantes matriculados em todo o País, a Estácio de Sá, controladora da UniRadial, faz pesquisas anuais com seus alunos. Na última, constatou que 70% deles ingressam na universidade quatro anos depois de formados no ensino médio.
“Virei exemplo. As pessoas da minha família dizem: ‘Se você conseguiu, também vou fazer’”, diz Vanessa Castilho, de 30 anos. Filha de um pedreiro, ela abandonou dois cursos depois de passar no vestibular – “não tinha condições de fazer” – até conseguir bolsa para estudar Medicina na Uninove da Liberdade, centro. Vanessa está no 2º ano, mas diz que não se sente igual aos outros alunos do curso, cuja mensalidade supera R$ 3 mil. Preconceito? “Se falar que tenho um ‘melhor amigo’ na sala estarei mentindo. Apesar disso, sempre me respeitaram.”
Os anos de espera servem para juntar dinheiro ou estudar para o vestibular. Caloura do Jornalismo da PUC-SP, Álvara Bianca Teixeira, de 23, tentou por 5 anos o concorrido curso da USP. Estudava sozinha, sem cursinho. “Meu foco era total na USP.” Insistiu até descobrir que a PUC aceitava o ProUni. “Estar na faculdade é a melhor coisa que já fiz.”
Segundo o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, nem a crise do ano passado afetou a participação dos alunos da classe C e D na universidade. “Em 1992 só 4,5% da população podia dizer que frequentou ou frequenta curso superior. Em 2008, o percentual é de 10,5%.”
Agora, o desafio da classe C é ir além da graduação. José Messias Santos, de 21, faz Jornalismo na Universidade do Estado do Rio (Uerj), graças às cotas raciais. “Se não fossem elas eu não passaria.” Ele conclui a graduação em dezembro e vai começar o mestrado. “Faço iniciação científica e isso despertou o interesse pela área acadêmica.”
Messias também se orgulha de não ser mais a única pessoa da família a chegar ao ensino superior. O irmão caçula entrou num curso de Informática – desta vez, sem precisar das cotas.
COLABORARAM TAI NALON E DIANA DANTAS, ESPECIAL PARA O ESTADO
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