terça-feira, 6 de outubro de 2009

O QUE VEM DEPOIS DAS TRAGÉDIAS?

Robert Polidori, com mostra em São Paulo, fala da opção por retratar “as marcas da vontade humana”
Texto: Simonetta Persichetti.
São imagens impactantes as 39 fotografias de Robert Polidori, que o Instituto Moreira Salles e o Museu da Casa Brasileira vão apresentar agora em São Paulo. Imagens que nossos olhos se desacostumaram a ver, numa sociedade contemporânea em que a estética do entretenimento está cada vez mais em moda e o que mais interessa é o sensacionalismo imagético e barulhento. Não é isso que vemos nas fotografias realizadas por Polidori, que até 2007 colaborava sistematicamente com a revista New Yorker. De acordo com uma linguagem em que o ato fotográfico é também sujeito e tema e criação imagética são uma coisa só, ele nos apresenta grandes espaços vazios, mas lotados de significados. Nada é demais, tudo está milimetricamente ajustado, composto.
Foto: Ailton Silva/Divulgação

Fotógrafo nascido no Canadá, desde criança mora e trabalha nos Estados Unidos. Ele atua com câmeras de grande formato – o que permite uma riqueza de detalhes e uma alta definição imagética – e registra a presença pela ausência. São as marcas deixadas pelo homem nas cidades depois que tragédias, catástrofes naturais ou sociais as atacaram.

Sua temática é a cena urbana, ensaios realizados ao longo de 20 anos, como as fotografias feitas em Pripyat e Chernobyl, 15 anos após o acidente nuclear em 1986, a cidade de Havana, ou New Orleans depois da passagem do furacão Katrina em 2006. Apartamentos em Nova York, invadido por vândalos ou a construção comercial de Alexandria (Egito), Amã (Jordânia) e Varanasi (Índia). Em alguns momentos suas composições nos lembram cenas de cinema – não é à toa, visto que nos anos 70, em Nova York, trabalhou como assistente de direção em filmes experimentais, até passar a se dedicar inteiramente à fotografia a partir de 1979. Mas o que se destaca em suas imagens é a estética em aparente confronto com o que fotografa. Do Canadá, ele respondeu ao Estado.

Embora não sendo jornalista, seus temas são jornalísticos. Ao mesmo tempo, o sr. não fotografava o fato, mas fotografa o ‘depois’. Como se deu essa opção?

É porque meu interesse está voltado mais para a história e a passagem do tempo. Me interesso menos pelos fatos em si e mais pelas consequências dos fatos para a história, para o tempo.

Uma das características das suas imagens é que as pessoas quase não aparecem nas suas fotografias. Por quê?

Acredito que as fotografias são melhores quando fotografamos o que não se move. O cinema já é bem forte em representar o que se mexe. Eu gosto de fotografar as marcas deixadas pela vontade dos homens ou as suas consequências.

Por que optar por câmeras de grande formato. Uma decisão puramente estética?

Trabalhar com este tipo de câmera ou formato é crucial para meu trabalho, na medida em que acredito que o tempo necessário para trabalhar com este tipo de equipamento leva a uma imagem mais precisa, e, portanto, o significado da fotografia é mais profundo, os detalhes ficam mais evidentes o que traz uma melhor fotografia.

A estética das suas fotografias é impressionante e fascinante, ao mesmo tempo os assuntos retratados são tristes e violentos. Fale sobre esta contradição: estética X conteúdo.

Sou frequentemente criticado nos EUA por fazer imagens que são "demasiadamente bonitas" (ou estéticas) em contradição à violência ou pathos que costumo registrar. Sempre respondo: "Se fizer uma fotografia feia, você vai olhá-la por mais tempo?" Acredito que o paradoxo apenas aumenta a eficiência e o poder estético de uma imagem. Gosto de fotografar temas que estão de alguma forma ligados a eventos ou a lugares históricos a fim de mexer com as mentes das pessoas para que elas prestem atenção. As associações que elas vão fazer com seu conhecimento pré-existente podem ser negadas ou confirmadas pelo conteúdo das minhas fotografias. Tento fotografar da maneira mais "clássica" possível de forma a não desviar a atenção do espectador para fenômenos externos (manipulações estéticas artificiais). O que desejo é que o espectador fique com a sensação de que a realidade é realmente mais estranha do que qualquer ficção imaginada.

Mas o sr. usa photoshop. Não seria uma estética artificial?

Sim, em todas as imagens desta exposição utilizei o photoshop, mas fotografo analogicamente a cena original e depois escaneio cada imagem para digitalizá-la. O photoshop é usado para aproximar a cor de cada imagem àquilo que eu vi no momento em que estava fotografando.

Em uma sociedade em que a maior parte das imagens realizadas está ligada a uma estética publicitária, como sair de uma estética do entretenimento?

Não assistindo televisão. Ou estando ciente de que o que é visto na televisão faz mal à sua saúde. Isso é o que ex-fumantes fazem para evitar voltar ao vício.

No início dos anos 70, o sr. trabalhou com cinema experimental. Traz ainda alguma influência desse aprendizado na suas fotografias?

Sim, eu fui muito influenciado pelo trabalho de Michael Snow e também de outros cineastas estruturalistas.

Uma pergunta ampla: o que é a sua fotografia?

Eu tento fotografar lugares que tenham importância na memória histórica. Procuro fazer imagens emblemáticas do que isso significa. Tento estetizar e transformá-la numa imagem "artística". Fotografo, portanto, o habitat humano.

Como vê a entrada cada vez maior das fotografias dentro das galerias de arte? Essas questões fazem sentido para o senhor?

Sim, para mim é importante, pois eu vivo da venda das minhas fotografias, o que me permite realizar outros projetos. É um prazer ver cópias fotográficas bem produzidas em exposições, porque assim podemos ver a imagem em sua magnitude. Porém, acho mais conveniente ver imagens em livros do que ir às exposições, já que podemos vê-las (em tamanho menor) sempre que quisermos.

O que é uma imagem contemporânea?

De forma geral, para mim a "fotografia contemporânea" é um ícone em que diferentes verdades simultâneas coexistem, vivem ao mesmo tempo. É isso que a diferencia das outras fotografias, como as "ilustrativas" ou as "documentais".

No que o sr. está trabalhando atualmente?

Estou começando a promover meu livro Versailles, um trabalho em três volumes que levei 26 anos para realizar. Também estou fotografando cidades que cresceram sem qualquer plano urbano predeterminado, como a famosa favela da Rocinha no Rio de Janeiro ou os acampamentos de Amã na Jordânia.

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